Cairo - Os egípcios que exigem a renúncia do presidente Hosni Mubarak ignoraram as advertências do regime sobre o risco de "caos" e cercaram, nesta quarta-feira (9/2), o Parlamento e a sede do governo, ao mesmo tempo em que chegam informes de incidentes no sul, que deixaram quatro mortos.
Dezenas de milhares de pessoas voltaram a se concentrar na praça Tahrir, no Cairo, epicentro da ebulição político-social, que na véspera foi palco da maior concentração de duas semanas de mobilização.
A pouca distância, centenas de manifestantes cercaram o Parlamento e a sede do governo, que ficam um em frente ao outro. Os dois prédios estavam protegidos por militares e veículos blindados, mas o conselho de ministros teve que ser celebrado em outro local.
"Viemos impedir a entrada dos membros do PND", Partido Nacional Democrata, de Mubarak, disse à AFP Mohamed Abdalah, de 25 anos, ao lado de outros jovens que gritavam palavras de ordem contra o chefe de Estado.
Apesar da persistência da agitação e do toque de recolher em vigor das oito da noite às seis da manhã, a maioria das lojas da capital voltou a abrir as portas esta quarta-feira.
Nos primeiros dias, as manifestações acabaram em confrontos violentos com as forças de segurança, que deixaram pelo menos 300 mortos e milhares de feridos, segundo estimativas da ONU.
As marchas se deslocaram para outras grandes cidades, como Alexandria (norte) e Suez (leste), ambas submetidas ao toque de recolher. Na quarta-feira chegaram informes de incidentes violentos em Al Kharga, cidade do sul, onde a polícia dispersou a tiros um protesto na véspera, matando três pessoas e ferindo uma centena, informou à AFP uma fonte dos serviços de segurança.
Fúria
Ao tomar conhecimento da morte dos manifestantes, os moradores enfurecidos incendiaram sete prédios oficiais, entre eles duas delegacias, um tribunal e a sede local do PND, destacou o informe.
Vários movimentos sociais reivindicando melhores condições de trabalho e salário surgiram no rastro dos protestos contra Mubarak. Nos últimos dois dias foram registradas manifestações nos arsenais de Porto Said, na entrada do canal de Suez e em várias empresas privadas que operam neste eixo estratégico do comércio mundial.
O regime tentou todo tipo de respostas para conter a onda de protestos: da repressão às concessões políticas, passando pela aposta do desgaste.
Mubarak, de 82 anos, no poder desde 1981, prometeu não voltar a disputar eleições em setembro e o vice-presidente Omar Suleiman abriu um diálogo com setores da oposição, que abarca de grupos democráticos à Irmandade Muçulmana. Mas tudo isso não conseguiu rachar a frente política, nem minguar a determinação das ruas, que continuam pedindo que o presidente saia já.
As passeatas desta terça-feira foram as maiores desde o início do movimento.
Centenas de milhares de pessoas voltaram a se reunir na praça Tahrir, onde aclamaram o jovem ativista e executivo do Google Wael Ghonim, transformado em herói após ter permanecido 12 dias detido, com os olhos vendados, por ter participado de uma marcha da oposição.
A página de Ghonim na rede social Facebook, bem como a do Movimento de jovens de 6 de Abril tiveram um papel preponderante no desencadeamento do movimento.
Interferência
Após o êxito desta mobilização, os Estados Unidos instaram o Egito a acelerar sua democratização.
O vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, instou Suleiman a ampliar o diálogo rumo à transição política de mais grupos da oposição e suspender de imediato as leis de exceção, informou a Casa Branca.
Mas Suleiman afirmou pouco depois que uma precipitação nas reformas poderia mergulhar no "caos" ao mais populoso dos países árabes.
Segundo Suleiman, "o diálogo e a compreensão" são a "primeira maneira (...) de sair da crise pacificamente".
A outra "seria um golpe de Estado e queremos evitar isto", advertiu.
A presença nos protestos da Irmandade Muçulmana - grupo opositor mais articulado - causa um certo temor em capitais ocidentais sobre o risco de que o movimento seja recuperado pelos islamitas.
Um dirigente da Irmandade Muçulana, Mohamed Mursi, assegurou na quarta-feira que o objetivo da confraria não é, por enquanto, a tomada do poder.
"A Irmandade Muçulmana não busca o poder. Não queremos participar por enquanto (...). Não queremos apresentar um candidato à presidência" nas eleições de setembro, afirmou.
A rebelião egípcia se inspirou na que derrubou, no mês passado, o ditador tunisiano Zine El Abidine Ben Ali, que estava no poder há 23 anos.