postado em 10/02/2011 08:33
O governo egípcio busca transmitir a falsa impressão de que a vida aos poucos volta ao normal no Cairo. Enquanto as autoridades anunciavam ontem a reabertura das Pirâmides de Gizé à visitação pública, uma declaração do chanceler Ahmed Abdul Gheit revelava o tom de preocupação com a convulsão social no país. ;Nós temos que preservar a Constituição, mesmo que esta seja alterada. Se o caos ocorrer, as Forças Armadas intervirão para controlar o Egito, o que pode levar a uma situação muito perigosa;, afirmou Gheit à agência estatal Mena. A renúncia do recém-empossado ministro da Cultura, Gaber Asfur, lançou rumores sobre um suposto racha no gabinete do presidente Hosni Mubarak. Mas os termômetros do levante social ainda são as ruas da capital e das principais cidades do Egito.Milhares de manifestantes cercaram pela primeira vez o prédio do Parlamento e a sede do Conselho Municipal. ;Eles penduraram no local uma placa com a inscrição ;Fechado até a queda do regime;;, contou ao Correio o engenheiro Ziad El Adawy, 22 anos, após visitar a Praça Tahrir, o centro nevrálgico dos protestos contra o regime. Ziad não esconde a ansiedade ante os próximos passos do movimento. ;Amanhã, a ;revolução; estará em todos os lugares. Após as orações, todos vamos nos encontrar em Tahrir;, disse. A expectativa é de que pelo menos um milhão de egípcios participem da nova marcha.
O estudante Mahmud Abu Sharkh, 21 anos, garante que estará lá. Em entrevista pela internet, ele admitiu que a pressão contra Hosni Mubarak aumenta a cada dia. ;A desobediência civil começa a ocorrer e já é um golpe no regime. Até funcionários públicos têm aderido aos protestos;, celebra. De acordo com Abu Sharkh, cerca de 5 mil egípcios estão acampados na frente do Parlamento, e pelo menos 40 mil se instalaram em Tahrir. ;Os manifestantes exibem cartazes, exigindo a renúncia de Mubarak e a destituição do Parlamento. Estamos planejando para amanhã a realização de quatro marchas no Cairo. Operários de muitas fábricas acabam de se somar ao movimento;, explicou. A mobilização popular já é recebida por extremistas como uma oportunidade para implantarem sua plataforma ideológica.
Para a jornalista Aliaa Hamed, 27 anos, o próprio governo inflamou os protestos. ;Os últimos comentários do vice-presidente Omar Suleiman aumentaram o ódio dos opositores;, afirmou. Os jornais egípcios repercutiram ontem as declarações do ex-chefe dos serviços de inteligência do Egito. Suleiman aband onou a retórica suave, alertou que os protestos são ;muito perigosos; para a sociedade e anteviu ;morcegos sombrios da noite emergindo para aterrorizar o povo; ; uma alusão ao risco de um golpe de Estado. ;O regime quer ganhar mais tempo, a fim de que as pessoas se cansem e abandonem as manifestações. Mas a resistência e os trabalhadores egípcios estão se levantando. Não haverá rendição;, advertiu Aliaa. Ela revelou que os manifestantes posicionados diante do Parlamento estão impedindo os funcionários de entrar no prédio. ;É um tipo de protesto contra a fraude das últimas eleições parlamentares.;
As marchas se deslocaram mais uma vez para grandes cidades, como Alexandria (norte) e Suez (leste). A agência France-Presse recebeu ontem indicações de que o sul começa a se rebelar. Na terça-feira, a polícia de Al-Kharga dispersou a tiros um protesto, matando três pessoas e ferindo pelo menos 100. Assim que as mortes se tornaram do conhecimento público, uma multidão enfurecida incendiou sete prédios oficiais na cidade ; entre eles duas delegacias, um tribunal e a sede do Partido Nacional Democrata, de Mubarak. No âmbito político, a Irmandade Muçulmana, principal força da oposição, descartou a pretensão de governar o Egito. ;A Irmandade Muçulmana não busca o poder. Não queremos participar, por enquanto (;). Não queremos apresentar um candidato à Presidência nas eleições de setembro;, afirmou.
A informação não supreendeu Aliaa. Segundo a jornalista, a organização não tentará controlar o governo antes de 2021. ;Governar não está em seu programa;, assegurou. A renúncia do ministro Gaber Asfur, oficialmente motivada por razões médicas, é vista com desconfiança por ativistas. ;Muitos dizem que Asfur recusou-se a trabalhar com Mubarak;, relatou Abu Sharkh. Para o estudante, a reabertura das Pirâmides de Gizé é uma estratégia do governo para transparecer normalidade. ;Muitos turistas foram retirados do país, mesmo os árabes. A maior parte dos hotéis cinco estrelas fechou suas portas;, contou.
Tunísia
O Senado tunisiano adotou ontem, por unanimidade, uma lei que autoriza o presidente interino Fued Mebazaa a governar por decretos-lei. O texto, que já tinha sido votado na segunda-feira pela Assembleia Nacional, foi adotado pelos 86 senadores presentes. Não houve abstenção. A legislação permite a Mebazaa apresentar decretos-lei sobre a anistia geral, os textos internacionais relativos aos direitos humanos, a organização de partidos políticos e uma reforma do código eleitoral.
Al-Qaeda pede ;guerra santa;
Um grupo integrante da rede terrorista Al-Qaeda ; O Estado Islâmico do Iraque ; pediu aos manifestantes egípcios que façam a jihad (guerra santa) e estabeleçam um governo baseado na lei islâmica (sharia). A informação foi divulgada pelo site de monitoração de endereços islâmicos Site, com sede nos Estados Unidos. ;O mercado da jihad está aberto no Egito e as portas do martírio foram abertas. Todo homem em condições deve participar;, afirma a mensagem do grupo terrorista. A declaração seria a primeira reação de membros da Al-Qaeda à atual crise no Egito.