postado em 15/02/2011 09:46
Tarek Shalaby desmontou o acampamento Motel Liberdade, na Praça Tahrir, na manhã de domingo. Foram 15 dias de resistência, tensão e alegria no centro nevrálgico da oposição, no Cairo. O webdesigner e blogueiro de 26 anos reconhece, no entanto, que as demandas dos manifestantes não foram totalmente atendidas. ;Nossas reivindicações foram cumpridas apenas pela metade. Os militares precisam de tempo;, admite ao Correio, por telefone. ;Eles não abriram as portas para modificar a Constituição, não removeram a lei de emergência e nada disseram sobre levar à Justiça os culpados de violações dos direitos humanos;, afirma. De acordo com Tarek, as greves continuarão no Egito até a convocação de eleições e a formação de um novo Parlamento. Um pequeno grupo de militantes continuava mobilizado em Tahrir, cercado por um cordão de militares. Na praça, era possível ver fotos imensas dos ;mártires; da revolta popular. A Organização das Nações Unidas (ONU) admite que pelo menos 300 pessoas morreram entre 25 de janeiro e 11 de fevereiro.A queda do presidente Hosni Mubarak estimulou a multiplicação dos movimentos sociais pelo país. Ontem, o Conselho Supremo das Forças Armadas ; a junta militar que assumiu o poder ; pediu a interrupção das greves no Egito. ;Nobres egípcios, percebam que estas greves, neste momento delicado, levam a resultados negativos;, alerta o Comunicado n; 5 do órgão, lido na TV estatal. Em sua página no site de relacionamentos sociais Facebook, o diretor do Google Wael Ghonim anunciou os resultados de uma reunião entre integrantes da oposição e militares. ;Um comitê constitucional conhecido por sua integridade e por não ser filiado a nenhuma corrente política foi formado e vai finalizar as emendas na Constituição em 10 dias, que serão votadas em referendo em dois meses;, revelou.
A jornalista Aliaa Hamed, 27 anos, tem uma explicação para a onda de greves que assola o Egito. ;Eu acho que, após a experiência de termos derrubado Mubarak, algo inacreditável no passado, muitas pessoas perceberam que têm que usar o momento para lutar por seus direitos;, reconhece, em entrevista pela internet. Aliaa garante que as paralisações atingem ;todos os setores imagináveis;, como bancos, hospitais, ministérios e a polícia. A agência France-Presse também informa que os movimentos atingem ainda os setores de transporte, têxtil e até as mídias e organismos governamentais. Entre as exigências das categorias, estão o aumento de salário e as melhores condições de trabalho.
Manifestações
No centro do Cairo, centenas de funcionários do Banco de Alexandria protestaram ontem, exigindo a demissão dos diretores. Servidores do transporte público se reuniram do lado de fora do prédio da TV e da rádio estatais, pedindo aumento salarial. Por sua vez, motoristas estacionaram 70 ambulâncias em uma rodovia às margens do Rio Nilo. Perto das Grandes Pirâmides de Gizé, cerca de 150 guias turísticos também demandaram alta salarial e pediram aos turistas que retornem ao país.
;As pessoas sofrem com a baixa renda, com a opressão de seus patrões e com a corrupção;, observa Aliaa. Ela explica que praticamente todos os setores públicos têm sido gerenciados por executivos leais ao regime de Mubarak. ;Nesses últimos 30 anos, o governo estava tomado pela corrupção e pelo nepotismo. Grandes figuras no Partido Nacional Democrata (PND) colocavam parentes e amigos em cargos estratégicos e lhes davam altos salários, apesar da baixa qualificação;, comenta a jornalista. Segundo Aliaa, quando Mubarak renunciou e os líderes do PND caíram, os empregados saíram às ruas para exigir suas demandas. Ontem, Sameh Shoukry, embaixador do Egito em Washington, admitiu a possibilidade de que a saúde de Mubarak esteja ;em mau estado;. Boatos sugerem que o ex-presidente tenha sofrido um derrame ou estaria em coma.
Dois tesouros recuperados
Dois dos objetos roubados do Museu Egípcio do Cairo durante protestos contra o governo foram encontrados no jardim que cerca o prédio. ;As investigações feitas no interior e no exterior do Museu Egípcio para encontrar as peças arqueológicas perdidas levaram à descoberta de algumas delas;, declarou Zahi Hawas, secretário de Estado para as Antiguidades. As peças recuperadas são um amuleto em forma de escaravelho que pertenceu a Yuya, um cortesão da 18; Dinastia, que reinou há mais de 3 mil anos, e uma das estátuas funerárias de Yuya.
Gabinete palestino renuncia
Isabel Fleck
A meta de criar o Estado Palestino até setembro tem exigido dos líderes da Autoridade Palestina (AP) um empurrão político, que resultou ontem na renúncia do primeiro-ministro, Salam Fayyad, e de seu gabinete. O presidente da AP, Mahmud Abbas, no entanto, voltou a nomear Fayyad para o posto que ocupa desde 2007, e o encarregou de formar um novo gabinete. No último sábado, a Autoridade Palestina já tinha anunciado que as eleições presidenciais e legislativas serão realizadas em setembro. As mudanças ocorrem em meio aos levantes populares no mundo árabe que provocaram reviravoltas nos governos da Tunísia e do Egito. A liderança palestina na Cisjordânia, contudo, nega que elas tenham sido motivadas pelas revoltas na vizinhança.
De acordo com Ghassan Khatib, porta-voz da AP, a ideia de reformular o gabinete de Fayyad já vinha sendo ventilada há meses. No entanto, o processo ;se estendeu mais do que o esperado;. O anúncio nessa segunda-feira, portanto, estava mais ligado à proximidade das eleições do que à urgência por conta da ebulição política no Oriente Médio e no norte da África. ;Os palestinos estão considerando muito seriamente que (a criação do novo Estado) será em setembro, e eu espero que todo o mundo nos leve a sério. Não podemos continuar como antes após essa data;, disse Khatib, em entrevista ao jornal The New York Times.
A dissolução do governo foi anunciada no início da manhã, em Ramallah. Pouco depois, o premiê entregou a Abbas sua carta de renúncia. O gabinete desmanchado tinha 24 postos, dos quais pelo menos seis estavam vagos. Fayyad, que foi reconduzido ao cargo, terá cinco semanas para formar um novo governo, por meio de consultas com os partidos palestinos e a sociedade civil. Segundo uma alta fonte da AP, o novo gabinete incluirá todas as facções da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) na Cisjordânia, na Faixa de Gaza e em Jerusalém, além de ;personalidades acadêmicas;. O Hamas e a Jihad Islâmica, que não integram a OLP, ficarão de fora. À agência Ma;an, a mesma fonte disse que o governo espera ;mobilizar a energia dos palestinos no apoio às instituições nacionais;, a fim de estabelecer rapidamente um Estado palestino.
Medo de Abbas
Para o grupo radical Hamas, que governa a Faixa de Gaza, o medo de Abbas de que a revolta egípcia tivesse impacto sobre os palestinos levou à decisão ;ilegal; de reformular o governo. ;A menos que Abbas adote reformas políticas e de segurança sérias, sua autoridade estará sujeita à ira do povo palestino;, disse o porta-voz do Hamas Sami Abu Zuhri. O grupo já afirmou que não vai cooperar com as eleições ou reconhecer os resultados, nem integrar governo algum sem a aprovação do Parlamento ; no qual conta com maioria após a vitória nas eleições legislativas de 2006.
Em seu editorial, o jornal israelense The Jerusalem Post considera que a medida mostra a preocupação de Abbas com o ;tsunami; que varreu os presidentes da Tunísia e do Egito. ;Aos olhos de muitos palestinos, Abbas não é muito diferente de Hosni Mubarak e de Zine El Abidine Ben Ali. Como os dois ditadores depostos, Abbas tem sido acusado de ser um ;fantoche; nas mãos dos americanos;, afirma o texto. A decisão de reformular o governo é vista como uma forma de desviar a atenção do escândalo dos ;papéis palestinos;, uma série de documentos que foi divulgada recentemente pela rede Al-Jazeera. No sábado, o principal nome palestino nas negociações com os israelenses, Saeb Erekat, já tinha apresentado a Abbas sua renúncia, por causa do vazamento de documentos que revelaram ;ofertas; feitas aos israelenses inaceitáveis para os palestinos.