PARIS - Da Tunísia a Bahrein, passando por Egito e Líbia, as rebeliões árabes desmentem a ideia, alimentada durante longo tempo pelos regimes autoritários, de que a democracia e os direitos humanos são conceitos ocidentais, estimam observadores e políticos.
Os países ocidentais que mantêm estes valores como padrão parecem desconcertados, tanto pela rapidez da queda de dirigentes que consideravam aliados há apenas três meses, quanto pela amplitude do movimento, que abalou a região desde a borda sul do Mediterrâneo até a península arábica, berço do islã. "O que acontece no mundo árabe desmente todos aqueles que queriam nos fazer acreditar que os direitos humanos são um conceito ocidental imposto", afirmou à AFP François Zimeray, adido francês dos direitos humanos.
"Durante vários anos, assistimos a um retrocesso da universalidade", disse, citando como exemplo a adoção da "Carta Islâmica dos Direitos Humanos" pela Organização da Conferência Islâmica. "Sentimos hoje que as posições dos países estão mudando. E isso inclui amplamente o norte da África", onde começou a rebelião popular que em janeiro derrubou o presidente Zine El Abidine Ben Ali na Tunísia.
Os Estados Unidos tentam se distanciar da "guerra preventiva" da era Bush para impor uma "doutrina Obama", que consistiria em apoiar os impulsos democráticos evitando ações unilaterais.
A França, por sua vez, adotou diversas iniciativas (repatriações humanitárias, propostas à ONU) depois das fortes críticas recebidas por seu apoio tardio à revolução tunisiana. "Nós nos deixamos intoxicar quando ouvíamos que os regimes autoritários são as únicas muralhas que impedem o islamismo", admitiu no domingo o ministro francês das Relações Exteriores, Alain Juppé, que fez uma visita ao Cairo.
Pierre Vermeren, autor do livro "Magreb, a democracia impossível?", considera que "a ideia de que a democracia não é para o mundo árabe remete a preconceitos coloniais". "Foi sob a colonização que os povos se impregnaram dos valores de liberdade que alimentaram os movimentos de libertação, pervertidos pelo exercício do poder depois das independências", destaca o historiador.
"Nos anos 70, a contestação era marxista e feminista. Com a ajuda financeira da Arábia Saudita, os regimes autoritários favoreceram o avanço do islamismo. Todos os ditadores contaminaram nos dirigentes ocidentais a ideia de que seus povos são violentos, analfabetos e ingovernáveis", explica Vermeren.
Os opositores destes regimes não eram ouvidos, nem em seus próprios países e menos ainda no exterior.
"Os ditadores se apresentavam como caudilhos da luta pelo povo palestino. Recorriam ao nacionalismo árabe perante seus povos e ao medo perante o Ocidente, para o qual representavam a melhor opção entre a ditadura e a teocracia", indicou por sua vez o opositor tunisiano Muhiedin Cherbib.
Cherbib lamenta os debates "absurdos" sobre a "compatibilidade entre o islã e a democracia", estimando que o islã "é como todas as religiões do mundo". "O que é importante hoje é ver que as sociedades árabes avançam", destacou, elogiando a internet como um "instrumento de emancipação da sociedade civil".
"A percepção da opinião pública europeia está mudando, mas é muito mais difícil no que diz respeito aos dirigentes, que parecem mais preocupados com o controle das ondas de imigração do que com as transformações que estão ocorrendo", disse Cherbib.
Pierre Vermeren ressalta o fato de que há "uma dupla expectativa, de segurança econômica e de apoio técnico e jurídico" à construção democrática, e defende "um ambicioso plano Marshall" para a costa sul do Mediterrâneo.