Silvio Queiroz
postado em 16/03/2011 19:41
O Exército líbio bombardeou nesta quarta-feira (16/3) mais uma cidade rebelde e fechou o cerco a Benghazi, reduto da oposição, enquanto as manobras diplomáticas para impor uma zona de exclusão aérea no país permanecem num impasse. No Barein, as forças de segurança disseram ter controlado o centro da capital Manama, impondo um toque de recolher depois de terem dispersado violentamente os manifestantes, a maioria xiitas, matando pelo menos três pessoas. Uma vitória do ditador Muamar Kadafi, há 41 anos no poder, e a repressão aos protestos no Barein podem significar uma reversão na onda de levantes populares que recentemente levou à derrubada dos regimes da Tunísia e do Egito.Moradores da localidade rebelde de Misrata, 200km a leste de Trípoli, capital líbia, disseram que as forças do governo atacaram a cidade com tanques e artilharia. Um médico local disse à Reuters por telefone que pelo menos cinco pessoas morreram e 11 ficaram feridas.
O clima em Benghazi mesclava desconfiança e nervosismo, com alguns cidadãos prevendo um banho de sangue, e outros confiantes de que os rebeldes ainda poderiam derrubar Kadafi. O Exército líbio ordenou aos habitantes da cidade que depusessem suas armas, e um dos filhos de Kadafi, Saif al Islam, disse à Euronews TV que o governo irá retomar o controle da segunda maior cidade da Líbia, com ou sem zona de exclusão aérea.
Em entrevista à rede de TV Al Jazeera, o coronel insurgente Faradj el Feyturi disse que aviões das forças de Kadafi bombardearam a cidade no início da manhã de hoje e tiveram o aeroporto da cidade como alvo. O coronel não relatou vítimas ou danos materiais, mas, segundo ele, a resposta dos rebeldes foi contundente e os aviões de Kadafi teriam "fugido".
Também hoje, a televisão estatal anunciou que a cidade de Ajdabiya estava "livre dos insurgentes". A TV divulgou imagens de soldados comemorando, segundo ela, o que seria a tomada de controle da cidade. As autoridades já tinham anunciado na terça-feira que Ajdabiya estava sob controle das forças do governo. Mas, segundo testemunhas, os combates prosseguiam na cidade e nos arredores. Segundo um médico do hospital da cidade, pelo menos 26 pessoas foram mortas em Ajdabiya pelos bombardeios efetuados desde terça-feira.
O ex-ministro francês de Relações Exteriores Bernard Kouchner repreendeu em Genebra a comunidade internacional por sua demora em impor uma zona de exclusão aérea, dizendo que já é tarde demais para salvar vidas. "Mesmo se fôssemos capazes de decidir hoje, já é tarde. Sabemos há três semanas que a pobre sociedade civil, as pobres pessoas, estão morrendo. E nós não estamos fazendo nada", disse Kouchner a uma rádio suíça.
A França e a Grã-Bretanha querem que a comunidade internacional imponha uma zona de exclusão aérea que impeça Kadafi de usar sua artilharia para bombardear os rebeldes e civis. Mas a Itália, que seria uma possível base para essa operação, descartou qualquer intervenção militar.
Os Estados Unidos também resistem aos pedidos internacionais para lançar uma operação militar na Líbia. "Não creio que os americanos queiram ver o presidente dos Estados Unidos se envolver unilateralmente em uma operação militar sem ter examinado as possíveis consequências", afirmou Jay Carney, porta-voz de Barack Obama, à France Presse.
Indagado sobre a possibilidade de impor uma zona de exclusão aérea, Carney disse que Obama queria definir primeiro "os objetivos de tais medidas". A ideia foi proposta depois que a ONU adotou as primeiras sanções contra o regime Kadhafi, em 26 de fevereiro. Paris, Londres e a Liga Árabe são seus principais defensores.
Barein
As autoridades do Barein decretaram nesta quarta-feira um toque de recolher a partir das 16h locais até à 4h em setores do centro de Manama, onde ocorrem as manifestações de opositores ao regime. O porta-voz do governo disse que os protestos estão proibidos em todo o território nacional. Pelo menos três manifestantes morreram e dezenas ficaram feridos hoje no Barein, durante uma ação policial na Praça da Pérola em Manama, enquanto um policial, ferido no dia anterior, não resistiu e morreu no hospital.
Do Irã ao Kuwait, passando pela cidade santa iraquiana de Najaf, os xiitas do Oriente Médio condenaram nesta quarta-feira a violenta repressão por parte da dinastia sunita no poder contra manifestantes xiitas de Barein. As ruas do Iraque foram palco de atos de apoio aos manifestantes, algumas horas após o ataque mortífero lançado pelas forças bareinitas contra os que acampavam há cerca de um mês na praça da Pérola em Manama para exigir reformas.
O presidente americano, Barack Obama, ligou para o rei Abdullah da Arábia Saudita e para o rei Hamad do Bahrein nesta quarta-feira para expressar "profunda preocupação" com as revoltas da oposição no Barein. A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, disse que os Estados do Golfo estão "no caminho errado" ao enviar tropas ao Barein para conter a revolta popular. Hillary disse que os Estados Unidos deixaram claro às seis nações do Conselho de Cooperação do Golfo que não havia solução segura para o problema, o qual segundo ela precisa ser resolvido por negociações.
Libertação
O jornalista iraquiano do The Guardian, Ghaith Abdul-Ahad, preso desde o início do mês na Líbia, foi solto hoje e, segundo o editor-chefe do jornal britânico, Alan Rusbridger, o repórter encontra-se ;fora do país, são e salvo;. A informação foi confirmada à France Presse por um porta-voz do jornal, que não deu mais detalhes.
Abdul-Ahad, que trabalha para o The Guardian há sete anos, foi preso em 2 de março pelas autoridades líbias juntamente com o jornalista brasileiro Andrei Netto, do jornal O Estado de S. Paulo, acusados de terem entrado ilegalmente no país.
A libertação de Abdul-Ahad ocorre uma semana depois de Netto. Apesar dos protestos do The Guardian e da Amnistia Internacional, só ontem Abdul-Ahad conseguiu abandonar o país. Os dois repórteres foram detidos em Sabratha, a Oeste de Trípoli, e foram transferidos para uma prisão na capital líbia.
No dia em que foi anunciada a libertação de Abdul-Ahad, quatro outros jornalistas do New York Times foram dados como desaparecidos na Líbia. O Times informou que a última vez que editores do jornal entraram em contato com os quatro experientes correspondentes de guerra foi na manhã de terça-feira, no horário de Nova York. A publicação informou ainda ter recebido informações de que membros de sua equipe de reportagem na cidade portuária de Ajdabiya foram "levados por forças do governo líbio", mas essas informações não foram confirmadas.
O jornal informou que entre os jornalistas desaparecidos está o chefe de redação do escritório de Beirute, Anthony Shadid, duas vezes vencedor do prêmio Pulitzer, o mais prestigiado do jornalismo americano. Os outros são Stephen Farrell, um repórter e cinegrafista que foi sequestrado pelo Talibã em 2009 e resgatado por comandos britânicos, e dois fotógrafos, Tyler Hicks e Lynsey Addario, ambos com longa experiência em trabalhos no Oriente Médio e na África.