postado em 19/03/2011 07:00
Técnicos japoneses admitem usar a maior catástrofe nuclear da história como lição para evitar uma nova tragédia na usina de Fukushima Daiichi. A última opção seria repetir o que foi feito em Chernobyl, na antiga União Soviética, e enterrar a central atômica em uma espécie de sarcófago de concreto, impedindo que a radiação contamine o meio ambiente. ;Não é impossível envolver os reatores com concreto, mas nossa prioridade agora é tentar resfriá-lo primeiro;, afirmou ontem um representante da companhia Tokyo Electric Power, operadora da usina. A alternativa extrema ganha força, à medida que o vazamento não é contido e altos níveis de radiação são detectados em um raio de 30km de Fukushima. Na tarde de ontem, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos também informou ter encontrado uma ;minúscula; quantidade do isótopo xenônio 133, cuja origem ;foi determinada como consistente com o vazamento dos reatores no nordeste do Japão;. Com quatro décadas de experiência em resposta a emergências nucleares e em proteção contra a radiação, o norte-americano Paul Lavely (leia o depoimento nesta página) acredita que a técnica usada em Chernobyl ; chamada de entubamento ; provavelmente precisará ser aplicada em Fukushima Daiichi. ;Mas será muito difícil de fazê-la, enquanto houver vazamento;, alerta. De acordo com ele, a dificuldade dos técnicos de levarem água até as piscinas de resfriamento do combustível nuclear reciclado dá uma amostra da dificuldade para a concretagem do reator.
Lavely explica que o primeiro passo seria levar a água ao combustível nuclear e interromper a liberação de radiação. Depois que os níveis de radioatividade baixarem, será preciso iniciar uma operação para segregar os materiais radioativos do meio ambiente. ;Eles têm uma expectativa de vida e decairão em 300 anos. Construir uma capa de concreto e separar o combustível do meio ambiente é a melhor resposta;, afirma o norte-americano, que vê grandes diferenças entre Chernobyl e Fukushima. ;Chernobyl tinha uma fonte de material para queimar e nenhuma estrutura de contenção. O combustível foi expulso do núcleo e se espalhou por uma área ao redor da usina;, lembra Lavely. ;Não existe comparação válida entre os dois desastres.;
A Agência de Segurança Nuclear e Industrial do Japão admitiu que a crise em Fukushima Daiichi é mais séria do que se imaginava e aumentou o nível de gravidade de 4 para 5, em uma escala internacional até 7. Com a decisão, as autoridades colocam o incidente no mesmo patamar do desastre em Three Mile Island ; em 28 de março de 1979, o derretimento parcial do núcleo da usina norte-americana situada em Dauphin County (Pensilvânia) liberou gases radioativos e iodo 131 na atmosfera, contaminando mais de 100 operários. Em visita a Tóquio, o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Yukiya Amano, adotou o mesmo tom alarmista, após se reunir com primeiro-ministro do Japão, Naoto Kan. ;Trata-se de um acidente gravíssimo;, confirmou. ;É muito importante que a comunidade internacional, incluindo a AIEA, participe nisto de forma conjunta. O esfriamento (dos reatores) é extremamente importante, creio que se trata de uma corrida contra o relógio.;
Uma notícia divulgada na tarde de ontem trouxe um pouco de alento e esperança aos japoneses: cerca de 300 engenheiros conseguiram ligar os cabos de energia ao reator 2. ;A Tepco conectou a linha de transmissão externa com o ponto de recepção da usina e confirmou que a eletricidade foi estabelecida;, anunciou a empresa, por meio de um comunicado.
Uma semana depois do pior terremoto da história do país e do tsunami devastador, o número confirmado de mortos subiu para 6.539. As autoridades calculam 10.354 desaparecidos e 2.513 feridos. Às 14h46 de ontem (2h46 em Brasília), a população observou um minuto de silêncio pelas vítimas. Equipes de resgate interromperam os trabalhos por um instante e oraram. Em um esforço para acalmar os japoneses, o premiê fez um pronunciamento à nação marcado pela confiança. ;Estamos numa situação de crise que põe à prova nosso povo. O Japão se reconstruiu milagrosamente depois da Segunda Guerra Mundial. Com a força de todos, reconstruiremos novamente o país;, afirmou. ;O Japão superará esta tragédia e se reconstruirá como nação.;
Uma tragédia como exemplo
O Complexo de Energia de Chernobyl, 130km ao norte de Kiev (Ucrânia), foi palco do mais grave desastre nuclear da história, em 26 de abril de 1986. À 1h23 (hora local), a queda de energia durante testes no reator 4 levou a uma ruptura do envoltório de contenção e uma série de explosões, que liberaram 5% da radiação na atmosfera. Pelo menos 237 pessoas sofreram exposição à radiação e 31 morreram nos três primeiros meses. Cerca de 135 mil moradores da área foram retirados às pressas.