O voto do Brasil na quinta-feira (24/3) foi apenas um entre os 22 que decidiram pela designação de um relator especial do Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas para o Irã. No entanto, seu peso parece maior que o dos demais 21 países de igual opinião, pela mudança que representa na postura brasileira em relação a Teerã. A posição contra o Irã é novidade pelo menos nos últimos sete anos, em que o Brasil se absteve de votar na Assembleia Geral da ONU quando o assunto era a situação dos direitos humanos no país. A diplomacia brasileira minimizou as diferenças entre os governos Lula e Dilma, mas garantiu que o voto já se insere nas ;claras instruções; da presidente de ;não admitir violações de direitos humanos, onde quer que ocorram;. É previsível, contudo, que a relação com Teerã não será mais a mesma.
Além do Brasil, Estados Unidos, França, Reino Unido, Argentina e Chile também estão no grupo dos que votaram a favor da nomeação de um relator especial para o Irã. Dos 47 países que integram o CDH, 14 se abstiveram, quatro não votaram ; entre eles a Líbia, que foi afastada do órgão ;, e sete votaram contra, incluindo Cuba, Equador, China e Paquistão. Na votação mais recente, na Terceira Comissão da Assembleia Geral, em novembro de 2010, o Brasil se absteve.
A decisão foi criticada por Dilma antes mesmo de tomar posse, em entrevista ao jornal americano The Washington Post. ;Eu me sentiria desconfortável, como uma presidente mulher eleita, em não dizer nada contra o apedrejamento (da iraniana Sakineh Ashtiani). Minha posição não vai mudar quando eu tomar posse. Não concordo com a maneira como o Brasil votou;, disse, em dezembro último. A declaração foi confirmada no voto de ontem, que, segundo o Itamaraty, não teve relação com a visita de Barack Obama ao Brasil, no último fim de semana.
Pena de morte
O porta-voz do chanceler Antonio Patriota, Tovar Nunes, negou que o presidente americano tenha feito qualquer pedido a Dilma a respeito do Irã ; o país nem teria sido mencionado na conversa entre os dois. O porta-voz refutou também uma relação direta entre o voto no CDH e o apoio dos EUA a uma cadeira permanente para o Brasil na instância mais importante das Nações Unidas. ;Não se compra um assento no Conselho de Segurança, isso não é negociável;, disse. Na justificativa do voto, a representante do Brasil no conselho, em Genebra, embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo, disse que a situação dos direitos humanos no Irã merece a atenção do CDH. ;É motivo de especial preocupação para nós a não observância de moratória sobre a pena de morte, não apenas no Irã, mas em todos os países que ainda praticam a execução;, disse.
O governo brasileiro fez questão de ressaltar, em vários pontos da declaração de voto, que os ;mesmos padrões; devem ser aplicados a outros países que não cooperem com o sistema de direitos humanos. ;Espero que tenham entendido a mensagem da coerência e do fim de ;duplos padrões; que o Brasil colocou no seu discurso;, disse a embaixadora à Rádio ONU, após a votação. A tradução é: as grandes potências também devem ter suas violações condenadas.
Para a professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Cristina Pecequilo, no entanto, o voto traz um compromisso perigoso para a diplomacia brasileira. ;Se você toma essa posição agora, é necessário que se mantenha uma continuidade no futuro, inclusive em decisões mais difíceis, como na questão de Cuba, de alguns países africanos e do próprio Irã. O Brasil será cobrado a ter coerência, no futuro, sobre esses temas;, observa.
Segundo a embaixadora brasileira, a opção de ontem não deve ser encarada como um ;voto contrário; ao Irã: ;É um voto a favor do sistema;.
Até ontem à noite, Teerã não tinha feito qualquer manifestação à chancelaria brasileira, mas a expectativa do Itamaraty era de que a ;maturidade; da relação bilateral prevalecesse.
O diretor da Campanha Internacional para os Direitos Humanos no Irã, Hadi Ghaemi, disse que o Brasil ;fez a coisa certa; e mostra ;uma mudança positiva;, disse ao Correio. Para ele, o país deve continuar o diálogo com Teerã e deixar claro que as atrocidades cometidas contra cidadãos iranianos ;não são aceitáveis;.Para a presidente do Conselho Nacional Iraniano Americano, Trita Parsi, o governo brasileiro consegue separar dois temas distintos em relação ao Irã: a questão nuclear e os direitos humanos. ;É importante que o Brasil continue envolvido nas negociações nucleares, pois há poucos países que têm a mesma capacidade de mediar;, disse Parsi.
O voto de cada um
Sim
Argentina, Bélgica, Brasil, Chile, Coreia do Sul, Eslováquia, Espanha, Estados Unidos, França, Guatemala, Hungria, Japão, Maldivas, México, Moldova, Noruega, Polônia, Reino Unido, Senegal, Suíça, Ucrânia e Zâmbia
Não
Bangladesh, China, Cuba, Equador, Mauritânia, Paquistão e Rússia
Abstenção
Arábia Saudita, Barein, Burkina Faso, Camarões, Djibuti, Gabão, Gana, Jordânia, Malásia, Ilhas Maurício, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uruguai
Não votaram
Angola, Catar, Líbia (suspensa) e Quirguistão
Histórico do Brasil
Nos últimos 10 anos, o país poupou o Irã em quase todas as votações sobre direitos humanos na ONU
2001
Abstenções na Comissão de Direitos Humanos* e na Assembleia Geral
2002
Abstenções na Comissão de Direitos Humanos* e na Assembleia Geral
2003 - CONTRA O IRÃ
A favor de resolução na Assembleia Geral
2004
Abstenção na Assembleia Geral
2005
Abstenção na Assembleia Geral
2006
Abstenção na Assembleia Geral
2007
Abstenção na Assembleia Geral
2008
Abstenção na Assembleia Geral (plenária)
2009
Abstenção na Assembleia Geral
2010
Abstenção na Assembleia Geral
2011 - CONTRA O IRÃ
A favor de resolução no Conselho de Direitos Humanos
* Extinta em 2006 e substituída pelo Conselho de Direitos Humanos