Em uma situação de guerra, não deveria existir espaço para vaidades ou para disputas políticas entre aliados. Nem bem a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) assumiu o comando da intervenção militar na Líbia, essa lógica já foi violada. Declarações dos governos da França e da Turquia mostraram que ambos estão longe do alinhamento na missão de garantir uma zona de exclusão aérea sobre o país do coronel Muamar Kadafi. Responsável por ;inaugurar; a Operação Odisseia ao Amanhecer, a França anunciou ontem que prepara, com o Reino Unido, uma estratégia pacífica para a crise. ;Com certeza, teremos uma iniciativa franco-britânica para deixar claro que a solução não é apenas militar, mas também política e diplomática;, afirmou o presidente francês, Nicolas Sarkozy. O premiê turco, Recep Tayyip Erdogan, foi transparente e direto na objeção ao protagonismo da França nesse processo. ;Parece-me positivo que Paris permaneça à margem (do comando da coalizão internacional), principalmente no atual processo contra a Líbia;, admitiu, em entrevista à agência de notícias Anatólia.
As relações entre Ancara e Paris se estremeceram depois que os franceses apresentaram reservas à entrada da Turquia na União Europeia (UE). Para Fabrizio Tassinari, analista do Instituto Dinamarquês para Estudos Internacionais (em Copenhague), Sarkozy utiliza a revolta líbia para mostrar iniciativa, recuperar credibilidade, buscar fôlego para as eleições presidenciais de 2012 e apagar a imagem de distanciamento em relação aos levantes na Tunísia e no Egito. ;O líder francês é conhecido por agir quando a ocasião se apresenta e o faz de modo instintivo e até impulsivo;, disse o italiano, em entrevista ao Correio por e-mail. ;Ele acredita que o comando político da operação na Líbia pode colocá-lo nos holofotes;, acrescentou. Tassinari vê a Turquia como uma nação ciente de que pode cavar nova posição geopolítica, mesmo à margem da UE. ;A voz de Ancara nos assuntos da Otan tem importância, e o governo de Erdogan está interessado em usar esse aspecto em sua vantagem; , explicou.
O turco Arshin Adib-Moghaddam ; professor do Departamento de Política e de Estudos Internacionais da Universidade de Londres ; crê que o racha na Otan é inevitável e culpa os interesses políticos divergentes dos 28 países-membros. ;Quais são a identidade e a missão de uma aliança militar construída para funcionar durante a Guerra Fria?;, questiona. Ele não entende como os EUA foram ;arrastados aos gritos e choro para a Líbia; e observa a Turquia e a Alemanha como céticas em relação à intervenção. ;A França tem adotado uma política externa mais agressiva, ainda que sem as capacidades bélicas necessárias para acompanhar a forte retórica;, comentou. De acordo com Arshin, todos os países da coalizão temem que a Otan fique presa a um atoleiro, um desastre comparável ao Iraque e ao Afeganistão. O analista lembra que Kadafi não depende de seus caças e bombardeiros para reprimir a rebelião e mantém controle total sobre as tropas e as milícias tribais. ;Uma zona de exclusão aérea não lida com essas realidades em solo;, alertou.
Batalha
No front, os bombardeios dos aliados foram intensificados desde quinta-feira, com mais de 150 missões. ;Kadafi quase não tem mais defesa antiaérea e conta com uma capacidade reduzida de comandar e de apoiar suas tropas no terreno;, garantiu seu vice-almirante Bill Gortney, diretor do Estado-Maior Conjunto americano. ;Sua aviação não pode mais voar, seus navios permanecem no porto, seus depósitos de munições continuam a ser destruídos, as torres de comunicação foram abatidas, seus bunkers de comando foram inutilizados;, acrescentou. Caças ocidentais destruíram ontem veículos militares líbios no leste do país, na tentativa de ajudar os rebeldes a retomarem a cidade de Ajdabiyah. A Otan assegurou ontem que a Operação Odisseia ao Amanhecer deve durar três meses.
Enquanto o conflito militar se arrasta para um impasse ; com o uso ou não de forças terrestres ;, o regime de Kadafi se diz ;disposto a aplicar o mapa do caminho; proposto pela União Africana (UA) para pôr fim às hostilidades. O Comitê da UA sobre a Líbia, formado por cinco chefes de Estado da África, defende uma saída negociada para a crise, com o fim imediato dos combate, a cooperação das autoridades líbias para facilitar a ajuda humanitária, a proteção aos cidadãos estrangeiros e a abertura de um diálogo, antes de um ;período de transição democrática;.
;VOLUNTÁRIOS; RECEBEM ARMAS
O coronel Muamar Kadhafi fornece armas a ;voluntários; civis para que combatam os rebeldes. A denúncia foi feita ontem pelo vice-almirante Bill Gortney, diretor do Estado-Maior Conjunto americano. ;Recebemos informações hoje de que começou a armar o que chama de ;voluntários; para combaterem a oposição;, afirmou. ;Não estou certo de que sejam realmente voluntários e não sei quantos ele vai conseguir recrutar, mas considero revelador que julgue necessário buscar reforços entre os civis;, acrescentou.
Eu acho...
;O presidente francês, Nicolas Sarkozy, pretende transformar a intervenção militar em um golpe de relações públicas, na tentativa de resgatar sua carreira política fugaz. Como um país de maioria muçulmana, a Turquia não quer uma antiga potência colonial no comando. Por isso, o governo Erdogan continuamente enfatiza o papel da Otan. Nenhum dos membros da Otan parece saber qual o objetivo militar na Líbia.;
Arshin Adib-Moghaddam, professor do Departamento de Política e de Estudos Internacionais da Universidade de Londres