postado em 01/04/2011 07:00
Quando desembarcou em Londres, no fim da noite de quarta-feira, Moussa Koussa levou consigo muitos dos segredos de Muamar Kadafi. O homem que se manteve à frente dos serviços de inteligência de Trípoli, entre 1994 e 2009, representa o lado mais obscuro do regime. Seu nome era sinônimo de lealdade inabalável ao ditador. A ;coluna vertebral; do governo líbio fragmentou-se com a deserção de Koussa, um gesto saudado pelos países da coalizão internacional como o início da derrocada de Kadafi. ;Moussa Koussa não recebeu qualquer oferta de imunidade da Justiça britânica ou internacional. Sua renúncia mostra que o regime de Kadafi, que já viu significativas deserções para a oposição, está sob pressão e afundando por dentro. Kadafi deve estar se perguntando quem será o próximo a abandoná-lo;, declarou William Hague, ministro das Relações Exteriores britânico.
Por sua vez, o premiê britânico David Cameron exortou a cúpula do governo líbio a seguir o exemplo. ;Moussa Koussa é uma das mais altas figuras do regime líbio, que está sob pressão. Os seguidores de Kadafi precisam ouvir mais seu bom senso", disse. Ali Abdussalam Treki, embaixador da Líbia na Organização das Nações Unidas (ONU) e outro importante aliado de Kadafi, parece ter entendido o recado e enviou ontem um comunicado à agência de notícias Reuters. ;Não podemos deixar que nosso país se dirija para um destino desconhecido. A nossa nação tem direito a viver em liberdade, com democracia e em boas condições de vida;, escreveu o diplomata, que está no Egito. Ele justificou sua renúncia afirmando que é preciso deter o ;derramamento de sangue; em seu país.
O líbio Nusaiba Bari, que nasceu em Benghazi (leste) e hoje vive em Chicago (Estados Unidos), comemorou a decisão de Koussa. ;Foi um golpe imenso, que levará outros aliados bastante leais a tomar a mesma atitude. Isso significa que algo grande acontecerá. Talvez Kadafi morra;, comentou ao Correio, por meio da internet. Segundo ele, Koussa era o braço direito do regime e o mentor do atentado de Lockerbie (Escócia) ; em 21 de dezembro de 1988, um Boeing 747-121 que fazia o voo 103 da companhia aérea Pan Am explodiu com 259 pessoas a bordo. ;Ele é um homem muito mau, cheio de poder e com maus amigos;, disse Bari. A rede de TV Al-Jazeera, citando jornais árabes, anunciou mais duas deserções, ainda não confirmadas oficialmente. Mohammad Abu Al-Qassiim Al-Zawi, chefe do Comitê Popular da Líbia (equivalente ao Parlamento), e o ex-primeiro-ministro Abu Zayed Dordah também teriam abandonado Kadafi.
Para Walid Phares, autor de The coming revolution, struggle for freedom in Middle East (A revolução próxima, a batalha por liberdade no Oriente Médio) e conselheiro no Congresso dos EUA, as renúncias em Trípoli deverão minar o poder de Kadafi, ainda que isso leve algum tempo. ;O que estamos vendo é a ruptura de elementos do regime que tinham posições importantes, mas não faziam parte da elite de inteligência e do núcleo duro militar;, explicou à reportagem. ;Mas se trata, definitivamente, de um golpe imenso contra Kadafi no cenário internacional.; Outro desertor, o ex-ministro líbio da Imigração Ali Errischi disse que o ditador ;já não conta com mais ninguém;. ;Sempre disse que os dirigentes líbios são todos reféns em Trípoli;, afirmou à rede de TV France-24.
Enquanto vê se desmoronarem alianças construídas décadas atrás, Kadafi dá sinais contraditórios. Em declarações à agência de notícias estatal Jana, o ditador não fugiu da regra e manteve a postura desafiadora das últimas semanas. ;Se eles (os ocidentais) continuarem (com os bombardeios), o mundo entrará em uma verdadeira cruzada (;) Iniciaram uma coisa grave, a qual não podem controlar, independente dos meios de destruição de que dispõem;, alertou. O coronel tentou incitar um conflito religioso, ao acusar os líderes ocidentais de ;promover uma segunda cruzada entre muçulmanos e cristãos no Mediterrâneo;. E exortou os governantes a renunciarem imediatamente. Ao mesmo tempo, o jornal britânico The Guardian revelou que Kadafi enviou um funcionário de confiança a Londres para negociar uma possível saída política com o governo do Reino Unido.
Treinamento
Em audiência no Capitólio, o secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, e o almirante Mike Mullen, chefe do Estado-Maior Conjunto, defenderam que os países integrantes da coalizão ofereçam treinamento militar à insurgência. ;Sim, serão úteis armamentos mais sofisticados, dos quais têm verdadeiramente necessidade. Mas precisam de treinamento e de organização, e isso pressupõe gente ao lado deles no terreno;, disse Gates, destacando que ;numerosas nações; são capazes de fornecer essa assistência. No 14; dia de bombardeios na Líbia, Mullen admitiu que o Exército de Kadafi não está próximo ao ;ponto de ruptura;. ;Nós temos degradado seriamente suas capacidades militares. Temos diminuído suas forças em 20% a 25%;, reconheceu. No front, os combates se concentravam ontem nos arredores do terminal petroleiro de Brega (leste). Os rebeldes instalaram um posto de controle a leste da cidade, situada 800km a leste de Trípoli, e eram ajudados pelos ataques aéreos da coalizão.
Governo do Kuweit apresenta demissão
O governo do Kuweit ofereceu ontem sua renúncia ao emir, xeque Sabah Al-Ahmad Al-Sabah. Um grupo de deputados havia solicitado ao Parlamento uma audiência do vice-premiê para Assuntos Econômicos e dos ministros das Relações Exteriores e da Informação, todos membros da família Al-Sabah, que governa o país. Além disso, o ministro das Relações Exteriores, xeque Mohamad Al-Sabah, anunciou a expulsão de diplomatas iranianos acusados de envolvimento num assunto de espionagem. Na véspera, o jornal Al-Watan indicou, citando o chanceler, que o emirado havia mandado chamar seu embaixador no Irã.