postado em 08/04/2011 09:42
Os 59 corpos estavam espalhados, jogados dentro de oito covas clandestinas, em um rancho na área de La Joya, em San Fernando, estado de Tamaulipas (nordeste do México). A mesma região em que 72 imigrantes ilegais foram executados a sangue frio, quase oito meses atrás (leia a Memória). Segundo o jornal local El Universal, as autoridades suspeitam que as vítimas eram passageiros de um ônibus que desapareceu em 25 de março, provavelmente sequestrado por narcotraficantes. Nas primeiras seis fossas, foram localizados 11 cadáveres; 43 estavam na sétima e cinco na oitava. Procurado pelo Correio, o Itamaraty afirmou que o Consulado-Geral do Brasil no México acompanha as investigações do caso. Até o fechamento desta edição, não havia notícias sobre a existência de brasileiros entre os mortos. Também não se sabia se havia algum estrangeiro. A ONG Anistia Internacional (AI) condenou o massacre de La Joya e a ineficiência do Poder Público em combater o crime organizado. ;As covas coletivas encontradas ontem (quarta-feira) mais uma vez revelam o fracasso do governo mexicano em lidar com a crise da segurança pública e reduzir a violência criminal, que tem deixado a população vulnerável a ataques, sequestros e assassinatos;, declarou Rupert Knox, pesquisador da AI no México.
Para Javier Oliva Posada, coordenador do Seminário de Segurança Nacional da Universidad Nacional de Mexico, os corpos encontrados em La Joya são uma prova de que a violência está muito longe de ser controlada. ;O governador de Tamaulipas e novos prefeitos da região acabaram de assumir. Ainda assim, a situação se agrava;, critica. ;Há áreas que estão próximas de um colapso social e institucional, por não contarem com a ajuda do Exército;, acrescenta. O analista acusa o governo local de não ter tomado medidas eficientes para impedir uma nova tragédia, após a chacina dos 72 imigrantes ilegais.
Pelo contrário. A reportagem apurou com moradores de Tamaulipas que a estrutura de poder no México algumas vezes submete-se aos mandos e desmandos do narcotráfico. ;As autoridades estaduais são cúmplices dos delinquentes. Elas sabem (dos narcotraficantes), mas nada fazem;, disse Roberto Lopez (nome fictício), um bombeiro de 30 anos que vive em Reynosa, a 100km de San Fernando. Ele conta que tenta se proteger como pode. ;Quase diariamente temos tiroteios. Ficamos sabendo dos incidentes por meio do (site de relacionamentos) Facebook e do (microblogue) Twitter;, relatou. ;O governo trata tais episódios como atos de violência, mas para mim é terrorismo. Eles explodem carros-bombas e atingem civis.;
Desconfiança
Em Tampico, a 360km de La Joya, o auxiliar de operações portuárias Rixag (nome fictício) também desconfia do Poder Público. ;Os policias de Tamaulipas estão corrompidos pelo cartel de Los Zetas. Tenho quase certeza de que o massacre foi obra deles;, sustenta. Desde dezembro de 2006, quando Felipe Calderón assumiu a Presidência, a violência no México deixou pelo menos 37 mil mortos. A Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) estima que outras 5.397 pessoas estão desaparecidas, entre elas 3.547 homens e 1.885 mulheres.
De acordo com Posada, o narcotráfico se beneficia da cobertura, voluntária ou forçosa, da própria sociedade. ;Por meio de ameaças ou por conveniência, os criminosos se escondem em suas áreas de operação e fogem das autoridades. Ninguém fica a salvo dos bandidos;, explicou. O especialista admite que a polícia de San Fernando está contaminada pela corrupção, pelo tráfico de infliência e pela obtenção de benefícios pessoais, atropelando o interesse coletivo. ;É frequente ler, em relatórios do Exército, que os bandidos são ou foram policiais locais. Isso é muito grave, pois provoca medo e desconfiança dos cidadãos;, disse Posada.
Além de condenar a violência em San Fernando, o presidente Calderón ordenou à Secretaria de Governo que realize uma ;investigação a fundo; com as autoridades estatais e preste assessoria à Procuradoria de Justiça de Tamaulipas. O mandatário também pediu o rápido trabalho de identificação das vítimas.
Mais quatro anos de violência
O secretário de Segurança Pública do governo do México, Genaro García Luna, estima que a violência no país só deve diminuir por volta de 2015. De acordo com ele, a expectativa é de que em três anos o Exército saia às ruas para tentar garantir a segurança. O efetivo militar só seria recolhido aos quartéis depois que os Estados e os municípios mexicanos tiverem polícias capacitadas para lidar com a ameaça.
Depoimentos
;Por aqui, vivemos um terror diário. Há tiroteios na cidade. Nas rodovias, não existe segurança. Existe uma guerra entre os cartéis, paralela à que o governo leva contra o narcotráfico. Viver aqui é viver com medo. Tememos a polícia local, os narcotraficantes, a polícia estadual. Podemos confiar um pouco apenas no Exército e na Marinha, que são os menos corruptos. Como mexicano, eu me sinto decepcionado de ter perdido a pátria onde nasci. O México era muito diferente do país que vivo hoje. Tudo mudou de uma hora para outra. A polícia local tem ligações com os delinquentes. Não existe ninguém que possa nos proteger de delitos comuns. O narcotráfico maneja tudo.;
; Roberto López (nome fictício), bombeiro, morador de Reynosa (a 100km de San Fernando)
;É muito triste viver este clima de violência. Desgasta muito amanhecer com esse tipo de notícias e frustra não poder fazer muito por meu país. No geral, sinto repúdio pelo governo federal. O narcotráfico sempre tem existido no México. Não o aprovamos, mas tampouco aprovamos a estratégia das autoridades. O México se estagnou. Durante os últimos seis anos, temos sido governados por gente sem liderança. Não existe um plano estratégico para levar o país adiante. Os recursos são destinados à guerra, enquanto há demasiada pobreza.;
; B.M., 33 anos, engenheiro de sistemas, morador de Ciudad Victoria (a 200km de San Fernando)
;Minha cidade foi a última parada dos ônibus sequestrados. Aqui há uma luta entre dois cartéis muito violentos: os Zetas e o Cartel do Golfo. Os cidadãos têm consciência de que é o governo local quem tem a maior responsabilidade. O governo federal pouco pode fazer.;
; Rixag (nome fictício), morador de Tampico (a 360km de San Fernando)