postado em 15/04/2011 07:04
Um novo capítulo da história do mundo árabe começou a ser escrito em dezembro de 2010, ainda no inverno, quando uma geração exasperada pela estagnação econômica e política decidiu ir às ruas em busca de mudanças. O movimento rapidamente ganhou força e, pela primeira vez, as bandeiras não eram religiosas ou ideológicas ; apenas o anseio por melhores condições de vida. A revolta popular entrou pela primavera, mudou o cenário da região e abriu novos rumos para países há décadas sufocados por regimes autoritários e economias a serviço dos mais ricos. As relações com a comunidade internacional também devem ser renovadas. Com uma população jovem, que clama por liberdade e novos líderes, os países árabes têm pela frente um longo caminho até que possam de fato virar a página.
A onda de protestos começou na Tunísia, onde um jovem de 26 anos ateou fogo ao próprio corpo após ser impedido pelo governo de vender frutas para sustentar a família. Mohammed Bouazizi tinha diploma universitário, mas não conseguia arrumar um emprego ; como acontece com a maioria dos tunisianos com menos de 30 anos. O episódio impulsionou manifestações no país e inspirou jovens dos países vizinhos. ;Democracia e liberdade são valores globais, e todas as pessoas no mundo querem desfrutar disso. No mundo árabe, não poderia ser diferente: era uma questão de tempo;, comenta Mohamed Elmenshawy, pesquisador do Instituto do Oriente Médio, em Washington.
A revolta já derrubou dois presidentes e provocou um conflito armado. O presidente da Tunísia, Zine El-Abidine Ben Ali, que estava no poder desde 1987, foi o primeiro a cair. Em seguida, caiu Hosni Mubarak, do Egito, a poucos meses de completar 30 anos no cargo. As manifestações se alastraram para Barein, Marrocos, Jordânia, Argélia e Iêmen. Na Líbia, o governo de Muamar Kadafi reagiu e o país mergulhou na guerra civil. ;Por enquanto, podemos dizer que uma mudança tremenda já aconteceu: os povos do mundo árabe encontraram sua voz. Ganharam esperança em um novo poder e confiança em suas demandas, e isso pode ser mais importante do que mudanças estruturais;, afirma Wendy Pearlman, professora de Oriente Médio na Universidade de Northwestern.
Incerteza
O verdadeiro desafio começa agora, de acordo com o professor Samer S. Shehata, do Centro Contemporâneo de Estudos Árabes da Universidade de Georgetown. ;De fato, é uma nova região. Mas, dito isso, ainda não podemos afirmar que as revoluções resultarão em uma democracia justa e verdadeira, mesmo no Egito e na Tunísia. Falta muito trabalho e esforço para que uma transição real rumo à mudança desejada pela população;, analisa o especialista americano.
No mundo árabe, cerca de 60% da população tem menos de 30 anos. A nova geração será a responsável por liderar um longo caminho até a democracia. ;Não vai ser fácil, mas os jovens ganharam confiança. É bem provável que, nos próximos meses, haja uma discussão forte, principalmente no Egito, sobre a participação de grupos políticos no futuro do país. Nada impede que os velhos partidos fiquem de lado e novos líderes surjam;, afirma Marco Alan Fagner dos Santos Ferreira, professor de Relações Internacionais da ESPM.
Com a guerra civil na Líbia, o cenário pode mudar ainda mais. A possível saída de Muamar Kadafi e a transição no Egito e na Tunísia também influenciam as relações da comunidade internacional com a região. ;Sem dúvida, existe preocupação sobre o futuro desses países. E as consequências das manifestações já são sentidas na União Europeia, com a onda de refugiados que parte para o continente e como o abastecimento de petróleo;, ressalta o especialista brasileiro.