postado em 19/04/2011 08:00
Milhares de imigrantes do norte da África que desembarcaram em portos italianos nas últimas semanas podem ter criado um problema político muito maior que o social. De um lado, a Itália carrega responsabilidade de receber 28 mil pessoas, grande parte vinda da Tunísia, em situações precárias. Para amenizar a situação, Roma deu permissões temporárias de residência para os norte-africanos. Do outro lado, a França tenta evitar que aqueles que não têm recursos financeiros cruzem a fronteira, e por isso impediu a entrada de um trem italiano, no domingo. O episódio causou desconforto diplomático e, para aumentar a tensão, a União Europeia (UE) declarou ontem que o governo francês tem o direito de barrar os estrangeiros.
Com um visto italiano temporário nas mãos, os imigrantes se valem do Acordo de Schengen, que garante livre circulação dentro das fronteiras da UE. Centenas de tunisianos foram bloqueados na fronteira entre França e Itália, no domingo, e as autoridades francesas chegaram a interromper o tráfego de trens entre os dois países, por algumas horas. O governo italiano pediu explicações para a UE, mas o porta-voz Michele Cercone, afirmou ontem que a França estava em seu direito ao recusar a entrada dos africanos.
O chanceler italiano, Franco Frattini, acusou a França de colocar em risco as regras sobre fronteiras na UE e pediu a seu embaixador em Paris que apresente um protesto formal. A diplomacia francesa tentou contornar a situação e afirmou que é preciso enfrentar o problema da imigração com ;soluções duradouras, conformes ao direito e à dignidade das pessoas;.
De acordo com Pietro Saitta, professor de sociologia da Universidade de Messina, na Sicília, a situação dos migrantes não deve causar mudanças sociais na Europa, mas traz à tona uma divisão dentro da UE e pode propiciar uma crise política. ;Existem muitos partidos e grupos políticos cada vez mais conservadores, com ideias xenófobas e quase facistas. E nisso aparecem radicais, como a Liga Norte, que acredita que temos de ;atirar nos imigrantes;. Incidentes como esse acabam causando uma divisão no bloco e enfraquecem a UE;, afirma Saitta.
A situação com os imigrantes tomou, de fato, proporções políticas na França, que terá eleições presidenciais dentro de um ano. O partido de extrema-direita da Frente Nacional (FN) chegou a pedir o fim do Acordo de Schengen, e a candidata Marine Le Pen, que luta por uma vaga no segundo turno, disse que o fim da política de fronteiras abertas seria ;a única solução para evitar o desembarque de clandestinos na França, que já se encontra em um contexto de imigração ilegal em massa;.
Exagero
Para o especialista em imigração, há um exagero político e pouco prático sobre a situação. ;Nós não estamos testemunhando o êxodo, mas a construção artificial de um problema. Muitos desses imigrantes chegam à Itália e vão para outros lugares procurar parentes e amigos que já vivem na Europa. Se pensarmos nessa escala, 20 mil pessoas não representam um problema. Foi o que aconteceu nos anos 1980 com os EUA, quando 126 mil cubanos chegaram à Flórida. Os exemplos históricos mostram que isso não é uma crise, mas pode criar uma situação política;, explica Saitta.
A crise humanitária se instaurou na Itália quando mais de 6 mil tunisianos permaneceram nos portos da Ilha de Lampedusa, que tem poucos mais de 5 mil habitantes. Na opinião do sociólogo, o governo italiano não se preparou para a onda de imigrantes que chegariam ao país depois do conflito árabe, o que acabou aumentando o problema. ;Em vez de pensar nas experiências que aconteceram nos anos anteriores e de preparar um plano para mover as pessoas em outros centros e diminuir a pressão, eles decidiram isolar e concentrar o fluxo no sul. A Itália funciona de acordo com o modelo emergencial: ninguém não faz nada até que a situação fique fora de controle;, afirma Saitta.