postado em 16/05/2011 08:09
Teerã ; Kimia* não tinha nascido quando decidiram que ela teria de usar um véu por toda a vida. Hoje, com 15 anos, tem um sonho que, na essência, é o mesmo dos jovens de sua idade em todo o mundo, mas, na prática, vai muito além do desejo de contestação típico dos adolescentes. Kimia quer ;ser livre;, desabafa. E, para ela, isso significa, em primeiro lugar, não precisar cobrir os cabelos para sair de casa. Depois virão outros planos, como o de estudar genética no Canadá. Mas enquanto tudo isso ainda é muito distante, a jovem estudante de Teerã obedece às regras em público: veste o maqnae ; lenço preto obrigatório nas escolas e nos escritórios ; e continua a sonhar.
Mahdiyeh Samshidi também não tinha nascido quando os aiatolás chegaram ao poder e o véu se tornou obrigatório, mas ela diz não se importar. Mais do que isso, a professora universitária de 29 anos gosta e faz questão de cobrir não apenas o cabelo, mas todo o corpo com o tradicional chador preto, mesmo a peça não sendo obrigatória. ;O hijab é uma proteção, que faz com que a nossa beleza seja vista apenas por nossos maridos;, explica a moradora de Yazd. Para ela, o chador não atrapalha a mulher na sua vida social e muito menos no seu trabalho. ;Podemos desempenhar qualquer função e estamos cada vez mais presentes no mercado de trabalho;, assegura.
Kimia e Mahdiyeh estão nos extremos de uma sociedade em que o papel da mulher ainda parece ser moldado. Enquanto no Ocidente a possibilidade de a iraniana Sakineh Mohammadie Ashtiani ser apedrejada até a morte sob a acusação de adultério e de planejar a morte do marido escandaliza a população e governantes, em Teerã, a tentativa é de mostrar que a mulher é valorizada e tem um importante espaço na sociedade. Segundo o governo, 60% dos estudantes universitários do país são mulheres, o que representa um crescimento de 25% da presença feminina na academia desde a Revolução Islâmica, em 1979. No mercado de trabalho, o aumento do número de mulheres entre 1976 e 2006 foi de 33% no setor de serviços e de 140% no de empregos técnicos e especializados.
;Antes da revolução, só quem tinha espaço no governo eram as mulheres de políticos, ministros. Hoje, todas têm essa oportunidade, o que foi uma grande conquista;, defende a secretária da Presidência para os Direitos da Mulher e da Família, Maryam Mojtahedzade. Ela destaca que, atualmente, há quatro mulheres no parlamento iraniano, assim como ministras e secretárias que, como ela, têm o status de um ministro. ;Mas o Ocidente não quer ver essas coisas. Eles só querem falar sobre o caso dessa senhora (Sakineh Ashtiani), que já tem cinco anos e ainda não foi concluído;, reclama a secretária, que, inclusive, afirma ser uma ;invenção; da mídia ocidental a condenação à morte por apedrejamento. ;Em vez de os outros países defenderem o fato de termos leis ; e ela está sendo julgada por assassinar o próprio marido ;, eles usam isso para nos atacar.;
Avanço no recuo
Longe da discussão sobre o destino de Sakineh, que não é vista nos jornais ou nas televisões iranianas, estão as jovens que contestam o regime de forma bastante sutil: recuando cada vez mais o véu. Enquanto as senhoras optam pelo chador preto, fechado, que deixa à mostra apenas o rosto, a grande maioria das garotas circula por Teerã com lenços coloridos calculadamente desarrumados para mostrar mais os cabelos, o rosto e o pescoço. Como a geógrafa Negan, 22 anos, que, quando não precisa usar o maqnae, deixa o lenço solto o bastante para mostrar o moderno corte de cabelo. E não poupa na maquiagem com os olhos bem marcados, como a maioria das jovens de sua idade. ;Sou como qualquer outra mulher de qualquer lugar do mundo, que pode pintar as unhas da cor que quiser, usar jeans e maquiagem. A única diferença é o véu;, resume.
Também Maheen, 19 anos, moradora de Shiraz, não se deixa limitar pelas regras que considera ;injustas;. ;O governo obriga as mulheres a usar o hijab, mas nós usamos roupas bonitas, coloridas e justas ao corpo. Não cobrimos completamente o cabelo. E você vê várias mulheres bonitas aqui;, observa a estudante de tecnologia da informação, com a cabeça coberta por um belo lenço amarelo. Ela acredita, inclusive, que avanços foram conseguidos na última década. ;Hoje em dia, as mulheres são bem mais livres do que antes. A maioria tem um emprego, seu próprio dinheiro, não depende de seus maridos ou pais e é mais ativa na sociedade.;
Para algumas, no entanto, as mulheres no Irã estão muitos passos atrás de seus homens. ;Para tudo que fazemos, é preciso superar sempre uma barreira a mais do que os homens;, diz a moradora de Teerã Saman, 31 anos. Ela, que pratica esportes com o marido ; sempre com os cabelos cobertos ; lamenta a obrigatoriedade e a falta de qualquer perspectiva de discussão sobre o tema. ;O véu não só nos atrapalha fisicamente como representa a distância que resolveram estabelecer entre eles (os homens) e nós há 30 anos.;
; A repórter viajou a convite da Organização de Herança
Cultural, Artesanato e Turismo
do Irã (órgão do governo)
* Alguns nomes foram modificados a pedido das entrevistadas.