postado em 02/06/2011 08:07
;Eu estou a 20km do distrito de Al-Hasaba, mas posso ouvir os tiroteios e as explosões nesse exato momento;, relata ao Correio o empresário iemenita Ali Al-Kamali, de 25 anos. São 22h (16h em Brasília) de ontem e, enquanto dirige pelas ruas de Sanaa em uma busca fracassada por combustível, ele descreve um cenário de pesadelo. Al-Kamali diz que mísseis e foguetes rasgaram o céu da capital de 2 milhões de habitantes entre a zero hora e as 9h de ontem (hora local);O presidente Ali Abdullah Saleh tem lançado os mísseis, na tentativa de matar o xeque Sadiq Al-Ahmar;, acrescenta. Os dois rivais transformaram Sanaa em um campo de batalha e colocaram o país à beira do precipício de uma guerra civil. Os confrontos deixaram ontem pelo menos 48 mortos. Nos últimos dias, os blecautes têm durado entre 12 e 15 horas. A água torna-se um luxo, os alimentos sobram nas despensas das famílias e são escassos nos supermercados ; além de duas vezes mais caros.
;Os combatentes usam armamentos pesados, como bazucas e lança-granadas, e atuam diante dos prédios do governo;, conta a fotógrafa iemenita-americana Raja Althaibani, de 24 anos, que mora em Al-Hasaba. Enquanto fala à reportagem, ela ouve explosões e alguns tiros. ;Nós estamos aterrorizados, porque ficamos presos no meio da batalha, com bombas, mísseis e assassinatos. Muitos civis foram mortos e outros estão impedidos de sair de suas casas;, acrescenta. De acordo com a jornalista, os combates mais intensos se concentram em Al-Hasaba, mas disputas esporádicas já ocorrem na Rua 60 metros, distante de seu bairro. Apesar do clima tenso, Raja duvida que o país inicie uma guerra civil. ;Os iemenitas são, em sua maioria, pacíficos, e não estão inclinados a pegar em armas;, garante. ;Além disso, começam a circular relatos sobre deserções nas fileiras do Exército, com os militares se recusando a matar gente inocente.; Ela diz que seus familiares pensam em fugir para vilarejos remotos, isolados do conflito.
O ativista Ibrahim Mothana, de 22 anos, denuncia que os combates violam um cessar-fogo firmado recentemente. ;Eu apenas voltei para casa agora, mas algumas horas atrás fui surpreendido pelo barulho de imensas explosões, vindo de Al-Hasaba;, afirma o rapaz, que mora a cerca de 10km do local dos confrontos. Ele confirma que Sanaa vive um êxodo de milhares de pessoas. Quem consegue sair da linha de fogo, busca proteção nos vilarejos, distantes das grandes cidades. ;Muitas pessoas tentam estocar comida, com medo de a violência aumentar;, conclui.
O sul do Iêmen também é palco de uma situação cada vez mais volátil. Desde sábado, extremistas islâmicos controlam Zinjibar e resistem ferozmente ao Exército. ;Zinjibar é uma cidade fantasma. A população fugiu, restam apenas homens que desejam proteger suas casas;, afirmou à agência France-Presse o engenheiro Awad Al-Matari, que também se refugiou em Áden, a 53km dali. Segundo ele, os militantes seriam integrantes do desconhecido grupo Partidários da Sharia e teriam o objetivo de fundar um emirado islâmico.
Egito e Líbia
Após enfrentar uma revolução bem-sucedida, a população do Egito soube ontem que o ex-presidente Hosni Mubarak e seus dois filhos ; Ala;a e Gamal ; serão julgados a partir de 3 de agosto. O juiz Ahmed Rifat decidirá se o líder deposto em 11 de fevereiro é culpado de corrupção e da repressão que matou mais de 800 pessoas. Morador do Cairo, Hammam Farouk, de 27 anos, não se entusiasma com a notícia. ;Acredito numa jogada para atrasar o julgamento, até que Mubarak escape da Justiça;, comenta, pela internet. O estudante de farmácia Mosa;ab Elshamy, de 21 anos, tem a mesma impressão. ;Ele vai apresentar desculpas para não ir ao tribunal;, aposta. Se considerado culpado, o ex-líder pode ser condenado à pena de morte.
Ainda ontem, um painel da Organização das Nações Unidas (ONU) acusou as forças do ditador líbio, Muamar Kadafi, de terem cometido crimes contra a humanidade e crimes de guerra. Os investigadores estimam que entre 10 mil e 15 mil pessoas foram mortas desde fevereiro e se basearam em entrevistas com 350 autoridades, rebeldes e civis. O comitê de três investigadores concluiu que as tropas praticaram assassinato, tortura e abuso sexual, ;como parte de um ataque sistemático e disseminado contra a população;. O relatório de 92 páginas, encomendado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, também atesta que os insurgentes realizaram ;alguns atos que constituiriam crimes de guerra;.
Com os dias contados
Um relatório divulgado ontem pelo think tank Eurasia Group, baseado em Washington, revela que a violência no Iêmen continuará a aumentar enquanto Ali Abdullah Saleh permanecer no poder. ;A ausência de Saleh no governo não resulta em um estado funcional iemenita, que pode retomar o controle do país a curto prazo;, alerta o estudo. De acordo com analistas do centro de pesquisas, os cenários mais prováveis incluem a possível renúncia de um presidente praticamente sem legitimidade ou um golpe arquitetado por uma aliança entre militares desertores e líderes tribais.