Brasília - Um grupo formado por líderes políticos e empresariais de todo o mundo - entre eles, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - afirmou que a guerra global contra as drogas falhou em seu objetivo e defendeu a adoção de medidas como a criação de mercados regularizados para conter o crime organizado.
Para a comissão, os dependentes de drogas devem ser tratados como pacientes, buscando evitar a aplicação de penas como trabalhos forçados ou abusos físicos e psicológicos, que vão contra os direitos humanos.
Os 19 integrantes do grupo denominado Comissão Global de Políticas sobre Drogas divulgou nesta quarta-feira (1;/6) um relatório com recomendações aos governos sobre como lidar com os problemas sociais decorrentes do consumo e da dependência de narcóticos no mundo.
"Se governos nacionais ou administrações locais acham que as políticas de descriminalização pouparão dinheiro e trarão melhores resultados sociais e de saúde para suas comunidades, ou que a criação de um mercado regularizado pode reduzir o poder do crime organizado e melhorar a segurança de seus cidadãos, então a comunidade internacional deve apoiar e facilitar tais políticas experimentais e aprender com a sua aplicação", diz o texto.
Para a comissão, é necessário "quebrar o tabu" em torno do consumo de drogas, buscando um debate amplo na sociedade e adotando políticas que reduzam o consumo, visando à saúde e à segurança tanto da população em geral quando dos consumidores de narcóticos.
Segundo o relatório, é necessário garantir tratamentos variados para os dependentes - inclusive com programas que preveem a administração controlada de narcóticos, como é o caso do Canadá e de alguns países europeus, onde usuários de heroína recebem doses da droga.
Além disso, o texto defende o acesso fácil a seringas, além de outras medidas que reduzam os danos aos viciados, evitando overdoses e a contaminação por doenças transmitidas pelo sangue, como a aids.
O relatório defende penas alternativas para os pequenos vendedores de drogas, diferenciando-os dos líderes das quadrilhas de narcotráfico. "A maioria das pessoas detidas pela venda de drogas em pequena escala não é formada de gângsters ou criminosos organizados", afirma o texto.
"São jovens explorados para fazer o trabalho arriscado da venda nas ruas, dependentes tentando conseguir dinheiro para seu próprio uso ou transportadores coagidos ou intimidados para levar drogas por meio de fronteiras".
Além disso, o grupo afirma que boa parte dos agricultores que cultivam as matérias-primas das drogas é formada por pequenos produtores que lutam para sustentar suas famílias. Dessa forma, puni-los como criminosos seria um erro. "Oportunidades alternativas de subsistência são investimentos melhores do que destruir a sua única maneira disponível de sobrevivência", acrescenta o relatório.
O documento cita ainda "óbvias anomalias" decorrentes do fato de que a avaliação corrente do risco e dos danos causados pelas drogas foi feita há 50 anos, quando havia, de acordo com o grupo, poucas evidências científicas para servir de base a essas decisões. Assim, para a comissão, as classificações do risco de drogas como a maconha e da folha de coca estão desatualizadas, devendo ser revistas pelas autoridades nacionais e pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A Comissão Global de Políticas sobre Drogas tem como integrantes, além de Fernando Henrique Cardoso, os ex-presidentes da Colômbia, César Gaviria, e do México, Ernesto Zedillo, o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, o escritor peruano Mario Vargas Llosa e o empresário britânico Richard Branson, entre outros.
Fernando Henrique Cardoso diz, em uma declaração que consta do material de divulgação do relatório, que é necessário tratar a dependência das drogas como uma questão de saúde, reduzindo a demanda por meio de iniciativas educacionais comprovadas e regularizando o uso de produtos como a maconha, em vez de criminalizá-lo.
"Cinquenta anos depois da introdução da Convenção Única sobre Narcóticos da ONU e 40 anos depois que o presidente [Richard] Nixon lançou a guerra global do governo dos EUA contra as drogas, reformas fundamentais nas políticas nacionais e globais de controle das drogas são urgentemente necessárias", afirma.
Cardoso, que defende a descriminalização da maconha desde que saiu da Presidência, é o protagonista do documentário Quebrando o Tabu, que aborda a questão do combate às drogas em todo o mundo. O filme estreia amanhã (3).
Outro integrante da comissão, o empresário britânico e fundador do Grupo Virgin, Richard Branson, diz que é necessária uma nova abordagem, que tire o poder do crime organizado e que trate os dependentes como pacientes e não criminosos.
"A guerra contra as drogas falhou em reduzir o seu uso, mas lotou as nossas cadeias, custou milhões de dólares dos contribuintes, abasteceu o crime organizado e causou milhares de mortes", diz Branson