Renata Tranches
postado em 20/06/2011 08:33
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) marca hoje a passagem do Dia Mundial dedicado ao tema com uma constatação e um alerta. O relatório anual sobre a situação dos refugiados relativo a 2010 mostra que a rejeição aos estrangeiros e imigrantes nos países industrializados desviou o fluxo do refúgio para os países em desenvolvimento. Hoje, eles acolhem 80% das pessoas sob os cuidados do Acnur. Nesse quadro, o órgão lembra que 2011 será marcado pelo deslocamento de mais dezenas de milhares de cidadãos do Norte da África e do Oriente Médio, afetados pelas revoltas em série em favor da democracia.Tradicionalmente, pondera o texto, países em desenvolvimento recebem mais refugiados do que os desenvolvidos, mas a diferença nunca foi tão acentuada. Diante dos dados contidos no relatório Tendências Globais 2010, não é difícil prever que a situação tende a se acentuar: além das turbulências no mundo árabe, a crise financeira está fechando portas na Europa.
Na avaliação do representante do Acnur no Brasil, Andres Ramirez, o mais provável é que os conflitos na Líbia, na Síria e mesmo o êxodo de civis da Tunísia se somem a situações que se desenrolam há anos, como a do Afeganistão, ou às guerras civis endêmicas no continente africano. Na Costa do Marfim, milhares de pessoas foram deslocadas no ano passado. Ramirez considera pouco provável que uma solução política no Iraque ou no próprio Afeganistão possa mudar o panorama no curto prazo, com o retorno em massa dos refugiados.
O relatório Tendências Globais 2010 mostra que alguns dos países mais pobres do mundo estão acolhendo uma grande população de refugiados. Muitas vezes, trata-se de economias e sociedades com perfis semelhantes. Para se ter uma ideia, os refugiados da Costa do Marfim costumam deslocar-se para oito vizinhos da África Ocidental que estão entre as nações menos favorecidas.
Outro exemplo de discrepância vem da relação entre o número de refugiados por dólar do PIB per capita de um país. O Paquistão é uma das nações que sente o maior impacto, com 710 refugiados por dólar do PIB per capita. Em seguida vêm a República Democrática do Congo e o Quênia, com 475 e 247 refugiados por dólar, respectivamente. Para comparação, a Alemanha, o país com a maior população de refugiados entre os industrializados, tem apenas 17 por dólar do PIB per capita. Dentro dessa perspectiva, o relatório do Acnur diz que as 20 nações com o maior número de refugiados são países em desenvolvimento. Entre eles estão os 12 menos desenvolvidos.
Rejeição
O cenário futuro tende a recrudescer também por conta da deterioração econômica nos países desenvolvidos, que tem feito aumentar o sentimento antirrefugiado. Ramirez analisa que, quando há um período de bonança, especialmente na Europa, as portas ficam um pouco mais abertas, porque as economias em expansão precisam da força de trabalho e da mão de obra barata que essas pessoas propiciam. Mas a situação volta a se dificultar para os estrangeiros quando a conjuntura econômica regride. ;O problema é que não estamos falando de pessoas que estão saindo de seus países para buscar melhoria de vida. São pessoas que estão fugindo e tentando se salvar de um conflito.;
O representante do Acnur ilustra com o exemplo da Líbia, onde uma guerra civil está em curso, com direito a intervenção militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Com o agravamento da crise, milhares de imigrantes e refugiadas de outros países que viviam na Líbia saíram em fuga desesperada pelo mar, em busca de abrigo na ilha italiana de Lampedusa. A tentativa de procurar abrigo em outros países da União Europeia, a partir dali, esbarrou em forte recusa da França, que impediu um trem de refugiados de entrar em seu território e deu início a uma rusga diplomática com Roma. O irônico é que o governo de Paris foi justamente quem encabeçou a campanha na Líbia, dando início aos bombardeios, em março passado.