O sírio Saleh Al-Hawmi (nome fictício) não ousa sair de casa e está acompanhado da mulher, da filha e de sete amigos. Durante a conversa com o morador de Hama, que utiliza um telefone via satélite, tiros são ouvidos ao fundo. Lá fora, o massacre continua na cidade situada 209km ao norte de Damasco. Enquanto os tanques avançavam ontem e ocupavam a Praça Assi, os diplomatas do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) chegavam a um acordo de condenação do regime do presidente Bashar Al-Assad. Segundo a agência France-Presse, o texto critica ;as amplas violações aos direitos humanos e o uso da força contra civis;. Mas não faz referências a uma investigação do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a repressão, que já teria matado 2 mil pessoas desde março. A apuração era um pedido feito por Reino Unido, França, Alemanha e Portugal em versões anteriores do texto. O documento também pede às autoridades sírias ;que respeitem totalmente os direitos humanos e cumpram com suas obrigações sob o direito internacional aplicável;. ;Os envolvidos nos atos de violência devem ser responsabilizados;, defende.
É pouco para Saleh. ;Apesar de ser um bom passo, precisamos de algo que detenha esse massacre;, afirmou. ;Não acho que o regime vai interromper os assassinatos, ao menos que (Al-Assad) seja submetido a uma forte ameaça;, acrescentou. Ele apoia uma intervenção militar nos moldes da que ocorre na Líbia, e lembra que, por ser membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a Turquia poderia exercer um papel de destaque. ;Um governo marcado pela força precisa ser tratado com a força;, opinou. Tudo indica que o Brasil negociou a redação final do texto com o Reino Unido. Arinc Bulent, vice-primeiro-ministro turco, fez ontem uma das mais contundentes declarações sobre o vizinho. ;O que está ocorrendo em Hama hoje é uma atrocidade. Os responsáveis por isso não podem ser nossos amigos. Estão cometendo um grande erro;, comentou.
Dos 15 membros do Conselho de Segurança, apenas o Líbano rejeitou o texto, afirmando que ele ;não ajudará; a acabar com a crise. O xiita Hezbollah, partido que representa a maior comunidade libanesa e detém importantes cargos no governo, mantém estreitos laços com Damasco. Na declaração, o Conselho também lamenta a ;falta de progressos; na execução dos ;compromissos de reforma anunciados pelas autoridades sírias; e pede a Al-Assad que cumpra com as promessas. Os Estados Unidos também endureceram o discurso em relação ao regime. O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, assegurou que Washington não tem nenhum interesse em ver o presidente sírio sobreviver apenas para preservar a ;estabilidade regional;.
Confinamento
Presos em suas próprias casas, os moradores de Hama rezam para o fim da matança. ;Ninguém pode sair, pois há franco-atiradores espalhados por todos os lugares;, relatou Saleh, por volta das 15h de ontem. De acordo com ele, os tanques de guerra, apoiados pelas forças de segurança e pelo Exército, iniciaram a ocupação do centro da cidade às 5h de ontem (23h de terça-feira em Brasília). ;Todas as comunicações e a eletricidade foram cortadas. Os tanques começaram a atirar aleatoriamente e não podíamos saber o que estava ocorrendo fora de nosso raio de visão. Escutei muitos disparos de artilharia pesada.; A quinta-feira começou em Hama com uma calma tensa. À zero hora de hoje (horário local), Saleh disse que entre três e 10 tiros podia ser escutados a cada hora.
Sem eletricidade, celular e telefone fixo, Hama está à beira de um colapso humanitário. ;A situação é muito ruim. Temos comida e água, mas não o bastante. Algumas pessoas estocaram arroz, mas já não há pão na cidade. Os vizinhos tentam ajudar uns aos outros, passando alimento por sobre os muros;, afirmou Ahmed. Segundo ele, ao menos uma pessoa morreu durante a invasão dos tanques ao centro da cidade.
O Observatório Sírio dos Direitos Humanos contabiliza 1.629 civis e 374 membros das forças de segurança mortos desde 15 de março. ;Três mártires caíram e dezenas ficaram feridos por balas das forças de segurança; em Damasco, Doa (sul) e Palmyr (centro);, afirmou Rami Abdel Rahmin, presidente da entidade.
Ouça entrevista (em inglês) com o sírio Saleh Al- Hawi, morador de Hama