postado em 25/08/2011 07:12
Muamar Kadafi vale 2 milhões de dinares líbios (cerca de R$ 2,5 milhões). Vivo ou morto. A recompensa é prometida por um empresário da cidade de Benghazi (leste), o bastião do Conselho Nacional de Transição (CNT). O organismo rebelde revelou ontem que concederá anistia a quem entregar o ditador líbio ou o seu corpo. ;Qualquer um do círculo próximo que mate Kadafi ou que o capture terá anistia ou perdão por qualquer crime que tenha cometido;, afirmou Mustafa Abdel Jalil, presidente do CNT. O anúncio foi feito horas depois que Kadafi divulgou nova mensagem de áudio, por meio do canal de tevê sírio Arrai. ;Caminhei incógnito, sem que as pessoas me vissem (pelas ruas de Trípoli);, disse. ;Convoco os habitantes de Trípoli, os jovens, os idosos a sair às ruas e limpar Trípoli dos ratos;, acrescentou, referindo-se aos rebeldes. Foi a segunda declaração do ditador em menos de 24 horas. Durante a madrugada, ele falou à emissora síria Al-Rai e descartou se render. ;Estamos resistindo com todas as nossas forças. Vamos vencer ou nos tornar mártires, se Deus quiser;, alegou Kadafi, ao classificar a retirada do complexo residencial de Bab Al-Aziziya ; tomado pelos insurgentes anteontem ; como uma ;mudança tática;.
Para o norte-americano Richard Falk, especialista em direito internacional pela Universidade de Princeton, o fato de o CNT ter anunciado a anistia a quem matar Kadafi praticamente sela o destino do ditador. ;É provável que a ;justiça; seja administrada pelos próprios líbios. Nesse caso, a pena de morte seria quase uma certeza;, afirmou ao Correio, por e-mail. ;O CNT parece temer que Kadafi figure como uma ameaça a suas ambições;, emendou. Em 27 de junho, o Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia (Holanda), expediu ordens de prisão para o ditador, para seu filho Saif Al-Islam e para Abdullah Al-Senussi, chefe da inteligência militar. ;O TPI não tem autoridade legal para impor a pena de morte ao crime de genocídio. A mais provável sentença a Kadafi seria a prisão perpétua, dada a clareza das evidências sob as quais se apoiam as acusações de ataque deliberado a civis;, comenta Falk.
Professor de direito internacional da University of Leicester, o britânico Malcolm N. Shaw QC aposta que Kadafi será condenado pelo TPI a 15 ou a 25 anos de prisão. ;Se for capturado, tenho certeza de que o CNT tentaria julgá-lo na Líbia, mas haveria uma forte pressão internacional para que se cumpram os procedimentos legais de um julgamento justo;, afirmou, por e-mail. Shaw acha possível que o TPI e o CNT negociem as bases de um tribunal na Líbia. ;O TPI não estaria preparado para aceitar a pena de morte, mas os rebeldes poderiam passar por cima da jurisdição de Haia.;
O que aguarda Muamar Kadafi?
O Correio Braziliense consultou três especialistas em direito internacional e perguntou-lhes qual o futuro do ditador líbio, Muamar Kadafi, em relação a um possível julgamento por crimes contra a humanidade e a um exílio.
Malcolm N. Shaw QC, professor de direito internacional da University of Leicester (Reino Unido)
;Se Kadafi for capturado, tenho certeza de que o CNT tentaria julgá-lo na Líbia, mas haveria forte pressão internacional para se cumprir os procedimentos legais de um julgamento justo. O Tribunal Penal Internacional opera sobre a base de dar à jurisdição doméstica a primeira opção. Se o sistema doméstico for incapaz, o TPI será o próximo passo. De qualquer modo, é o TPI que decidirá sobre essa questão. Eu suspeito que haverá negociações entre a Corte de Haia e o CNT sobre as condições de julgamento na Líbia. Se o TPI acreditar que haverá um julgamento justo, o processo certamente será acordado. Eu acho que o TPI não estaria preparado para aceitar uma sentença de morte na Líbia. Isso seria parte das negociações. Evidentemente, é sempre possível para o CNT passar por cima da jurisdição do TPI. Mas eu aposto que eles não prefeririam fazê-lo.
Se Kadafi for considerado culpado pelo TPI, provavelmente pegaria de 15 a 25 anos de prisão, dependendo do julgamento.
É possível que um acordo seja feito, onde Kadafi receberia a permissão para viajar a outro país se depor as armas. Não há duvida de que isso seria controverso, sob o ponto de vista do CNT. Também seria um problema para os países que aceitarem o exílio. A Venezuela integra o Estatuto do Tribunal Penal Internacional e violaria o documento, caso aceitasse Kadafi. Seria possível que um Estado não-membro do TPI ofereça exílio, mas haveria uma pressão internacional. Eu creio que as próprias potências estariam preparadas para um exílio arranjado, como saída para o conflito. Seria um conflito muito interessante entre os direitos humanos e a política.
Em 26 de fevereiro, o Conselho de Segurança remeteu a situação na Líbia à promotoria do TPI, que abriu uma investigação no início de março. Em 27 de junho, foram expedidos mandados de prisão para Kadafi; seu filho, Saif; e Abdullah Al-Senussi (chefe da inteligência líbia) por crimes contra a humanidade.;
Jens David Ohlin, professor de direito da Cornell University (em Ithaca, Nova York)
;Haverá uma intensa pressão internacional para entregar Kadafi ao TPI. A Comunidade Europeia certamente fará objeção à possibilidade de uma sentença de morte, que não está de acordo com os padrões europeus de direitos humanos. O Estado líbio atualmente tem poucas instituições civis, incluindo um sistema legal robusto operando sob a lei, o que poderia manejar um processo criminal. A razão para isso está no fato de que Kadafi coibiu o desenvolvimento de instituições independentes, para consolidar seu domínio autocrático sobre o país. Essa decisão assegura que haverá recursos legais insuficientes para levá-lo a julgamento na Líbia. Será uma razão forte para enviá-lo ao TPI.
Existe outra possibilidade. Se o novo governo líbio desejar processá-lo domesticamente não enviá-lo ao TPI, eles poderiam entrar com uma petição na ONU para criar um tribunal ;híbrido; ad hoc, composto por juristas líbios e por especialistas internacionaios. Os advogados estrangeiros forneceriam a expertise e os recursos, enquanto os promotores líbios ajudariam a estabelecer a legitimidade da corte como instituição local que represente o povo.
O TPI não aplica a pena de morte, e todos os crimes só podem receber qualquer prisão até a perpétua. No caso de Kadafi, o resultado dependeria das acusações contra ele. Ainda que Kadafi tenha governado a Líbia por quatro décadas, o indiciamento do TPI se limita a crimes contra a humanidade, por ter disparado contra civis desarmados durante os primeiros dias de levante. Se essa for a única acusação, não estou certo de que sentença lhe será imposta. Infelizmente, os juízes internacionais estão muito preocupados em ajustar suas penas, reservando a prisão perpétua aos crimes piores. Algumas vezes, eles reduzem outras sentenças em casos menos extremos, para deixar a Corte com o espectro para os crimes piores.
Será difícil para Kadafi encontrar um país que o receba. Mesmo países que não são membros do TPI têm que cumprir com a resolução do Conselho de Segurança. A questão é se esses países se importam o bastante com Kadafi para carregá-lo nos ombros e a carga que ele representa, como sanções econômicas. A amizade se torna volúvel quando custa seu dinheiro.;
Richard Falk, especialista em direito internacional da Universidade de Princeton
;O papel da Otan na derrota de Kadafi torna altamente improvável que o CNT tente julgá-lo na Líbia ou sentenciá-lo à morte. Se ele for capturado pelas forças rebeldes líbias, provavelmente será entregue ao TPI para ser processado, especialmente ante o pedido de prisão emitido em junho. É verdade que os iraquianos fizeram o julgamento de Saddam Hussein, que foi gerenciado pelos Eua. O resultado da imposição da pena de morte provocou consideráveis críticas. A maior parte dos países da Otan aboliu a sentença capital, e seria um motivo de comentários hostis se governos europeus apoiassem esse tipo de pena na Líbia.
O TPI não tem autoridade para impor a pena de morte para o crime de genocídio. A máxima sentença que pode ser aplicada é a prisão perpétua, queria seria a mais provável para Kadafi, dada a gravidade dos crimes e a clareza de evidências sob as quais se apoiam as acusações de ataque deliberado aos civis. Sob uma perspectiva do direito criminal internacional, como é incorporado pelo Tratado de Roma, os crimes praticados por Kadafi se inserem na categoria de ;crimes contra a humanidade;. No meu entendimento, os mandados de prisão existentes são limitados às ameaças e às ações tomadas em relação ao recente cerco a Benghazi. É possível que um leque maior de alegações poderia levar a um novo indiciamento, que contemplasse os crimes cometidos nesses 42 anos de ditadura. Mas é duvidoso que isso ocorra, pois atrasaria muito o processo e produziria um julgamento bastante longo.
A realidade política da derrota de Kadafi torna improvável que qualquer governno aceite a carga moral e polítca associada à concessão de um santuário para ele, sob a forma de asilo. É possível que um vizinho africano o faça, considerando-se o grau de apoio financeiro e diplomático que Kadafi concedeu à União Africana. Nesse momento, o futuro de Kadafi é altamente especulativo, e eu duvido que ele se renda ou seja capturado vivo. Como outros do círculo interno de Kadafi serão tratados é una incerteza, mas é provável que haja julgamentos e punições.
O fato de o Conselho Nacional de Transição ter anunciado uma recompensa de US$ 2 milhões pela captura de Kadafi, vivo ou morto, torna provável que a ;justiça; será administrada localmente e que a pena de morte será quase uma certeza. O CNT parece temer que Kadafi permaneça uma ameaça a suas ambições;
Outra forma de julgamento dependeria de uma petição perante a ONU. De acordo com Jens David Ohlin ; professor de direito da Cornell University (em Ithaca, EUA) ;, o novo governo líbio poderia criar um tribunal híbrido ad hoc, formado por juristas líbios e de outros países. ;Os advogados estrangeiros forneceriam a expertise e os recursos, enquanto os promotores da Líbia ajudariam a estabelecer a legitimidade da Corte;, opina. Os três especialistas consultados pela reportagem veem um exílio de Kadafi como pouco provável. Ohlin explica que a questão é saber se outras nações se importam o bastante com o ditador para carregá-lo nos ombros e sofrer sanções internacionais. ;A amizade se torna volúvel quando vale seu dinheiro;, brinca.
Símbolo da autocracia de Kadafi, o quartel-general de Bab Al-Aziziya tem sido palco de festa desde sua ;queda;, na terça-feira. Rebeldes podiam ser vistos com os pés sobre a cabeça de uma estátua do líder, enquanto outros se deixavam fotografar sob as tendas que o ditador usava para receber convidados. O líbio Guma El-Gamaty, coordenador do CNT no Reino Unido, prefere que Kadafi seja capturado vivo e vê o destino do ditador ligado aos juristas líbios. ;Se for julgado pelo TPI, ele só responderá pelos crimes cometidos nos últimos seis meses. Na Justiça líbia, seria levado a júri pelos crimes dos últimos 42 anos;, admitiu, por telefone. Ele revelou que o CNT anistiará Kadafi se o ditador declarar-se publicamente que não é mais o líder da Líbia.
Quatro jornalistas sequestrados
Um grupo leal ao ditador Muamar Kadafi capturou quatro jornalistas italianos, de acordo com Bruno Tucci, presidente da Ordem de Jornalistas em Roma. Os repórteres ; dos jornais Corriere della Sera, La Stampa e Avvenire ; iam da cidade de Zawiya para Trípoli, quando foram sequestrados. Diplomatas italianos fizeram contato com interlocutores na Líbia, que afirmaram ;trabalhar; no tema.