Com quase uma semana de intensos combates em Trípoli, a capital líbia estava ontem à beira do colapso. A Organização das Nações Unidas (ONU) exortou os dois lados que disputam o poder no país ; os rebeldes e os simpatizantes do ditador Muamar Kadafi ; a evitar mais mortes com atos de violência ou de vingança. Nos hospitais, corpos em decomposição se acumulavam, aproximando a cidade de uma crise humanitária. Ao mesmo tempo, os bombardeios continuavam e ganhavam força em redutos até então considerados os últimos focos de resistência de Kadafi, cujo paradeiro ainda era desconhecido.
Ali Tahuni, vice-presidente do Conselho Nacional de Transição (CNT, o braço político dos rebeldes), anunciou que o Comitê Executivo do órgão foi transferido para Trípoli. No entanto, revelou que seu presidente, Mustafa Abdel Jalil, somente chegará à capital quando o nível de segurança permitir a viagem. Ele aguarda em Benghazi (leste), considerada a capital da revolução. Mahmud Jibril, número dois do Executivo do CNT e uma espécie de primeiro-ministro, desembarcou ontem no Cairo, onde representará a Líbia em uma reunião extraordinária da Liga Árabe, que começa hoje. Será a primeira vez que o CNT participará de um evento oficial da organização, que reconheceu os rebeldes como governo legítimo líbio, anteontem. A Líbia está suspensa da entidade desde 22 de fevereiro, cinco dias após o começo do levante contra o regime.
Estima-se que o número de mortos desde o início dos combates no país possa passar de 20 mil. A ONU pediu que cessem os atos de vingança e os abusos na nação africana, em meio a relatos de execuções sumárias dos dois lados do conflito, denunciadas também pela Anistia Internacional. O responsável pelas operações militares da rebelião na capital, Abdel Nagib Mlegta, disse à agência France-Presse que forças leais ao coronel Kadafi mataram mais de 150 prisioneiros antes de fugir diante do avanço dos rebeldes.
Em um hospital no bairro de Abu Salim, controlado por tropas pró-regime, a Cruz Vermelha encontrou os corpos de pelo menos 80 pessoas mortas por aparente falta de cuidados médicos. A organização afirmou que os cadáveres já estavam em decomposição e que conseguiram retirar os últimos 17 pacientes vivos. Segundo a Cruz Vermelha, franco-atiradores teriam impedido a aproximação de qualquer pessoa do hospital até anteontem.
No início da semana, o diretor da ONG World Medical Camp for Libya, o líbio Ghasan Atiga, considerou, em entrevista ao Correio, que Trípoli estava à beira de uma crise humanitária, com hospitais sem a menor condição de atender e com médicos exaustos. ;Muitos não vão trabalhar por medo de serem mortos;, afirmou. Ele relatou ainda que, em meio ao desespero, feridos tentam buscar ajuda na Tunísia, mas morrem antes de chegar ao país vizinho.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que os efeitos da luta são profundos. ;Há escassez de comida, de suprimentos médicos e de combustível. Relatórios do local sugerem que o fornecimento de água para a capital e a região a sua volta possa estar em perigo, colocando em risco milhões de pessoas.;
Batalha
Em Trípoli, quase completamente sob controle rebelde, a batalha continua. O bairro de Abu Salim foi palco de confrontos, vencidos pelos opositores que hastearam a bandeira rebelde em uma praça no local. O aeroporto de Trípoli foi bombardeado por forças aliadas a Kadafi. Imagens de tevê mostravam ontem um avião danificado e incendiando. Em Sirte (norte), aviões britânicos bombardearam um bunker de Kadafi. A informação foi confirmada por um comunicado do Ministério da Defesa do Reino Unido, segundo o qual ;uma formação de Tornados GR4s, que partiu da base da RAF (Royal Air Force) de Marham, em Norfolk, leste da Inglaterra, disparou uma salva de mísseis guiados de precisão Storm Shadow contra um bunker de um grande QG;. O ex-homem forte da Líbia nasceu em 1942 nesta cidade, que fica a 360km de Trípoli.
FILHA ADOTIVA ESTARIA VIVA
Uma informação divulgada por diversos sites de notícia pode mudar uma importante parte da história de Muamar Kadafi. Documentos divulgados esta semana apontam que a filha adotiva do coronel, Hana, que teria sido morta em um ataque aéreo promovido pelos EUA contra o complexo residencial do ditador, em 1986, estaria viva e trabalhando como cirurgiã em um hospital em Trípoli. Segundo o jornal britânico Daily Mail, sua morte teria sido inventada por Kadafi para que ele se passasse por vítima da agressão do Ocidente.
Documentos encontrados no complexo do ditador mostraram que ela completou um curso de inglês no Consulado Britânico e, em seu certificado, a foto que aparece seria da filha legítima de Kadafi, Aisha. Os móveis do quarto onde supostamente o bebê dormia quando foi atingido permaneceram intocados, em caixas de vidro, em um mausoléu. O regime de Kadafi chegou a organizar um festival para homenagear a menina: Festival Hana da Liberdade e da Paz.