Jornal Correio Braziliense

Mundo

Iraquianos aliviados pela retirada americana, mas preocupados com futuro

BAGDÁ - Os iraquianos, traumatizados por oito anos de guerra e violência que se seguiram à queda de Saddam Hussein em 2003, se mostraram aliviados neste sábado depois do anúncio da retirada das tropas americanas, embora também se sintam preocupados com o futuro do país.

Este anúncio acontece depois que os dois países não conseguiram chegar a um acordo sobre a manutenção no Iraque de um contingente militar de instrutores, principalmente pelo desacordo sobre a imunidade jurídica dos soldados americanos.

Obama fez o anúncio depois de conversar por videoconferência com o primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, e após o fracasso das negociações entre as duas partes para chegar a um acordo sobre a manutenção de um pequeno número de tropas no Iraque depois do final de ano.

"A retirada é uma ocasião histórica para o povo iraquiano e as forças armadas", declarou Maliki em coletiva no dia seguinte ao anúncio de Obama. "Com a retirada, vamos virar a página dominada pelas (relações) militares e vamos construir um novo marco baseado na cooperação diplomática", acrescentou. "Nossas forças são capazes de controlar a situação em termos de segurança", garantiu.

O primeiro-ministro quis mostrar sua tranquilidade ante os temores pela estabilidade do país: "A segurança não tem nada a ver com a retirada das forças americanas. O Iraque tem um exército competente". "A retirada fará desaparecer todas as desculpas da Al-Qaeda e dos grupos armados para justificar seus atentados", enfatizou.

A data da retirada das tropas já havia sido decidida em 2008 por ambos os países, mas Bagdá se recusava a conceder imunidade legal para o pequeno contingente de soldados americanos que permaneceria no país para ajudar a treinar as forças iraquianas e contrabalançar a influência do Irã.

Esse ponto era "um obstáculo maior" nas negociações, reconheceu na segunda-feira um alto oficial do Pentágono. Depois de oito anos da invasão americana, os iraquianos lamentam que, apesar de Saddam ter sido derrubado, suas esperanças de democracia, prosperidade e estabilidade não se materializaram. A partir daí, o país entrou numa espiral de violência religiosa e étnica.

Mas os movimentos políticos ligados ao chefe radical xiita Moqtada Sadr e todos os que reclamavam há tempos a saída das tropas americanas comemoraram o anúncio de Obama.

"O dia da retirada representará um momento histórico e serei o homem mais feliz pela saída do ocupante de nosso país", comentou o xeque Abdel Rahman Munshid al Asi, chefe da tribo Al Obaid, de Kirkuk (norte), abertamente contrário à presença americana.

"A retirada é um motivo de orgulho pra os políticos e sua origem é a pressão das ruas iraquianas", acrescentou, destacando também a "maravilhosa atitude do primeiro-ministro Nuri al Maliki.

Saad al Haj Qasim, um empresário de Mossul (norte), também acha que a retirada "é uma boa etapa para a melhoria da situação no Iraque". "Espero que o terrorismo cesse no país e que a economia melhore depois da saída dos ocupantes", acrescentou.

O ex-coronel Abu al Hamza, de Tikrit, considera que a retirada "oferecerá uma oportunidade às forças iraquianas de depender de si mesmas e de se desenvolver". "A presença americana foi uma fonte de problemas para nós e sua retirada representará uma melhoria da situação dos iraquianos .

Mas nesta região de grande instabilidade, outros não ocultam seus temores para uma degeneração da situação, provocada por seus vizinhos Irã e Síria. O presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, declarou que a saída das tropas americanas "implicará uma mudança nas relações entre os dois países", sem explicar direito sua declaração.

A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, por sua vez, alertou neste sábado ao Irã contra qualquer interferência no Iraque. "No momento em que começamos um novo capítulo em nossas relações com um Iraque soberano, os iraquianos dizem: os Estados Unidos estão de seu lado no caminho para a democracia", declarou Hillary.

"Os países da região, especialmente os vizinhos do Iraque, indicamos que os Estados Unidos se manterão ao lado de seus aliados e amigos, incluindo o Iraque, para defender a nossa segurança e nossos interesses comuns", acrescentou.

"A retirada americana é o desafio de segurança, político e regional mais perigoso que o povo iraquiano enfrentará", advertiu Aso Mohamed Jorshid, um farmacêutico curdo de 39 anos, de Kirkuk.

A saída das tropas estrangeiras implicará uma ameaça para o Estado iraquiano, segundo ele, "pelas intervenções regionais que podem levar os iraquianos a desejar uma separação e a não permanecer unidos em um mesmo país".