postado em 24/10/2011 08:00
Após um período de tensa transição, marcado por greves e ondas de violência, a Tunísia encerrou ontem o primeiro capítulo da revolução, com as primeiras eleições livres da história do país. Em clima de grande emoção, milhões de eleitores foram às urnas para eleger os 217 membros da Assembleia Constituinte. Segundo o porta-voz da Comissão Eleitoral Independente (Isie), Bubaker Buzabit, cerca de 90% dos 7,3 milhões de eleitores compareceram às zonas eleitorais, escolhendo os futuros constituintes entre 1.500 candidatos das listas de partidos e de pessoas independentes. Os nomes dos eleitos devem ser divulgados amanhã. Todos os candidatos declaram os mesmos valores de liberdade, democracia e justiça social. Centenas de observadores internacionais acompanharam a votação, que criou enorme expectativa internacional. A Tunísia liderou a Primavera Árabe, com a revolta iniciada em dezembro do ano passado, após a imolação do jovem comerciante Mohamed Bouazizi. Em 14 de janeiro, após um mês de manifestações, os rebeldes conseguiram derrubar o regime, provocando a queda do ditador Zine al-Abidine Ben Ali, que estava há 23 anos no poder.
A futura Assembleia terá como tarefa principal a redação de uma nova Constituição, a terceira da Tunísia depois das de 1861 e 1959. Elegerá também o presidente provisório do país que designará um primeiro-ministro para liderar a formação do governo de transição, que ficará no comando até a realização de eleições gerais. O pleito de ontem foi organizado por uma comissão independente criada para atuar no lugar do Ministério do Interior, desqualificado por anos de fraude eleitoral. Para favorecer os pequenos partidos entre centenas que apareceram desde janeiro, os organizadores adotaram o modelo do voto proporcional.
Polarização
Segundo os observadores internacionais, a eleição está polarizada e não há como prever o grande nome vencedor que sairá das urnas. O partido islâmico Ennahda, ilegal durante longo tempo, é apontado como o favorito pelas pesquisas de intenção de votos. Frente aos temores que gera junto aos tunisianos, a legenda divulgou uma imagem de moderada, propondo um governo de ampla unidade. O Partido Democrata Progressista (PDP, centro-esquerda), cujo líder, Ahmed Néjib Chebbi, enfrentou diretamente o ex-ditador Ben Ali, apresenta-se como a principal alternativa ao Ennahda. E um número importante de independentes traduz, segundo os especialistas, a desconfiança frente aos partidos suspeitos de querer se aproveitar dos frutos de uma revolução da qual não foram promotores.
Com a eleição de ontem, os tunisianos viraram a página da era Ben Ali. O ditador, apoiado pelas grandes potências ocidentais por seu suposto papel de baluarte contra o islamismo e de líder do milagre econômico tunisiano, fugiu do país em 14 de janeiro para se refugiar na Arábia Saudita.
Além do medo
A mãe de Mohamed Bouazizi, o jovem que deu início aos protestos depois de atear fogo ao próprio corpo por ter os produtos de sua venda confiscados pela polícia, disse à agência de notícias Reuters que a eleição representa a vitória da dignidade e da liberdade. ;Agora, estou feliz que a morte de meu filho tenha possibilitado irmos além do medo e da injustiça;, disse Manoubia Bouazizi.