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Após libertação, Líbia prepara novo governo regido por lei islâmica

postado em 24/10/2011 16:36
BENGHAZI - Os novos líderes líbios iniciaram nesta segunda-feira negociações para formar em um mês um governo regido pela sharia ou lei islâmica responsável pela transição após 42 anos de ditadura de Muamar Kadhafi.

As novas autoridades proclamaram no domingo a "libertação" total da Líbia em uma cerimônia realizada em Benghazi (leste), ofuscada pela polêmica gerada pelo linchamento e aparente execução sumária de Kadhafi, depois de ter sido capturado vivo na quinta-feira em Sirte pelas milícias do CNT. "Hoje preparamos uma nova etapa" durante a qual "vamos trabalhar duro para o futuro da Líbia", afirmou no domingo o vice-presidente do Conselho Nacional de Transição (CNT), Abdel Hafiz Ghoga, na histórica cerimônia.

O número dois do CNT, o liberal Mahmud Jibril, assegurou que existem negociações para formar um governo interino, do qual já adiantou que não formará parte. "Este processo levará entre uma semana e um mês", disse.

As negociações correm o risco de serem comprometidas por disputas de poder, entre disputas de liberais contra islamitas, tensões regionalistas, rivalidades tribais, ambições individuais, e briga pelo controle das receitas do petróleo. Segundo o roteiro anunciado pelo CNT, serão realizadas eleições constituintes em um prazo máximo de oito meses, seguidas por eleições gerais um ano mais tarde.

O presidente do CNT, Mustafá Abdul Jalil, pediu que seus compatriotas "perdoem" e "tirem o ódio dos corações (...) para reconstruir a Líbia". "Há bens que foram apreendidos à força. Convoco todos os líbios a respeitar a lei e a não se apoderar de nada pela força", disse.

Ele também reafirmou no domingo que a legislação do país será baseada na lei islâmica. "Como país islâmico, nós adotaremos a sharia como lei essencial. Toda lei que violar a sharia será legalmente nula e sem efeito", disse, citando como exemplo a lei de divórcio e casamento e a abertura de bancos islâmicos, que "proibirão os juros (...), conforme a tradição islâmica".

No regime de Muamar Kadhafi, a lei não proibia a poligamia, mas determinava pré-condições, como o consentimento da primeira esposa. O esposo também precisava provar perante a justiça que tinha capacidade financeira para sustentar uma família múltipla. "É chocante e insultante constatar que depois do sacrifício de milhares de líbios pela liberdade, a prioridade dos novos líderes é permitir que os homens casem em segredo", lamentou Rim, uma feminista de 40 anos, "solteira e orgulhosa disto". "Nós não vencemos Golias para viver na Inquisição", denunciou.

Azza Maghur, advogada e militante dos direitos Humanos, acredita que "este não é o momento para fazer tais declarações", e afirmou que prefere saber "sobre outros assuntos mais importantes, como o período de transição". "Não queremos perder o que conquistamos durante a era socialista dos anos de 1970. São assuntos que devem ser dialogados. A mulher tem direito de voz", disse.

Ela considera que Abdul Jalil "expressou seu ponto de vista como pessoa e não como Estado. Ele não tem o poder de anular as leis".

Abdelrahman al-Chater, um dos fundadores do Partido da Solidariedade Nacional (centro-direita) afirmou que é "precoce falar na forma de Estado". "Este é um assunto que precisa ser discutido pelas diferentes correntes políticas e pelo povo líbio", disse.

"Estas declarações provocam uma sensação de dor e amargura nas mulheres líbias, que sacrificaram suas vidas" para combater os homens do antigo regime, acrescentou. "A anulação da lei do casamento, fará com que as mulheres percam o direito de ficar com a casa e os filhos em caso de divórcio. É uma catástrofe para as mulheres", denunciou.

A proclamação oficial do fim da era Kadhafi foi saudada por vários países, incluindo França e Grã-Bretanha, protagonistas da coalizão internacional que em março iniciou uma intervenção militar para pôr fim à repressão sangrenta dos protestos. Segundo o CNT, o conflito deixou mais de 30 mil mortos em oito meses.

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