Os palestinos conseguiram ontem um importante reconhecimento no cenário internacional e, mais uma vez, deixaram exposta a divisão entre países que apoiam ou não o seu reconhecimento como Estado soberano. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) aprovou o ingresso da Palestina como membro pleno, com 107 votos a favor, 14 contra e 52 abstenções. A resolução serve como impulso para o pedido de adesão como 194; país-membro da ONU, que deve ir a votação neste mês no Conselho de Segurança. Israel considerou a decisão da Unesco um passo contra a retomada de negociações de paz e ameaçou cortar laços com a organização. Os Estados Unidos, que comandaram o voto contrário, anunciaram imediatamente depois do resultado a suspensão do pagamento de sua cota para a agência.
A entrada na Unesco marca uma nova fase na batalha dos palestinos pelo reconhecimento como soberano, pedido em setembro. O presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, comemorou. ;É uma vitória do direito, da justiça e da liberdade. o mundo inteiro se encontra atualmente junto do povo palestino, a favor do estabelecimento do Estado da Palestina o quanto antes.;
Estimulada pelo sucesso a AP deve pedir ingresso em outras organizações internacionais enquanto aguarda a decisão do Conselho de Segurança. ;Não temos apenas a intenção de procurar outras agências, mas o direito de bater em todas as portas em busca de uma paz justa, até conquistarmos o direito a uma vida digna;, afirma o embaixador palestino no Brasil, Ibrahim Al-Zeben. Como membro pleno da Unesco, a AP pode, por exemplo, entrar com um processo para defender locais históricos que estejam nos territórios disputados com os israelenses.
Para Israel, o novo status da Palestina afasta as chances de conversações. ;Vemos essa decisão com preocupação e um pouco de tristeza. Os palestinos elegeram o caminho unilateral e não querem uma negociação ou um diálogo com Israel. Eles podem ter um Estado independente, podem ser membros das organizações internacionais, mas como consequência de um acordo de paz conosco;, contra-argumenta o embaixador israelense, Rafael Eldad. Em comunicado, seu governo rejeitou a votação e acenou com ;rever sua cooperação; com a Unesco.
Os EUA anunciaram prontamente a suspensão de um pagamento de US$ 60 milhões previsto para este mês. A participação americana no orçamento bianual da Unesco pode chegar a US$ 654 milhões e corresponde a 22% do total. ;A votação foi prematura e prejudica a meta da comunidade internacional de uma paz abrangente, justa e duradoura;, afirmou o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney.
Para Gerald M. Steinberg, professor do Departamento de Estudos Políticos da Universidade Bar Ilan, em Israel, o distanciamento entre palestinos e israelenses deve ficar cada vez maior e os EUA podem ter um papel crucial na divisão diante do cenário internacional. ;A estratégia palestina é ganhar o reconhecimento sem um acordo com Israel. Os árabes têm uma maioria automática na ONU. Os EUA precisam decidir qual caminho tomar e liderar outros países, ou então Washington pode perder influência e acabar com a esperança de novas negociações;, comentou.
Voto dividido
A votação, em Paris, foi saudada por aplausos calorosos que não escondem a divisão internacional. Os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), como esperado, votaram em bloco a favor da Palestina. Tiveram importantes adesões europeias, como as de Bélgica, Espanha e França, que tinha dúvidas até o último momento. Itália e Reino Unido se abstiveram, enquanto a Alemanha acompanhou Washington no voto contrário. Em comunicado divulgado pelo Itamaraty, o governo brasileiro ;felicitou; os palestinos.
Viúva de Arafat na mira
A Justiça da Tunísia expediu ontem um mandado internacional de prisão contra Suha Arafat, viúva do líder histórico da causa palestina, Yasser Arafat. Segundo a imprensa local, Suha Arafat é acusada de corrupção no caso da Escola Internacional de Cartago, que fundou em 2006 com Leila Trabelsi, ex-primeira-dama da Tunísia. Posteriormente, as duas se desentenderam e, em 14 de agosto de 2007, o então presidente, Zine El-Abidine Ben Ali, retirou da víuva de Arafat a nacionalidade tunisiana e a expulsou do país.
Violência aumenta
Enquanto as negociações entre as autoridades palestinas e israelenses são ameaçadas pela escalada de violência dos últimos dias entre os dois lados, o chanceler israelense, Avigdor Lieberman, afirmou ontem que é essencial %u201Ccortar todas as relações com a Palestina%u201D. Depois do aumento da violência na Faixa de Gaza, o ministro das Relações Exteriores de Israel apresentou ontem um plano para que o governo possa tomar medidas para remover o Hamas, facção radical palestina que controla a área. Ontem, seis novos foguetes foram disparados em direção ao sul de Israel. Os bombardeios de lado a lado deixaram um total de 13 mortos desde sábado.
O ministro das Relações Exteriores de Israel condenou os bombardeios na Faixa de Gaza e os usou como um dos argumentos para justificar a necessidade de romper relações com a Autoridade Palestina (AP). %u201CÉ preciso pagar um preço pelas campanhas e os boicotes%u201D, disse Lieberman, segundo o jornal israelense Haaretz. Ele também afirmou que é necessário %u201Cderrubar o regime do Hamas como for possível%u201D e criticou os palestinos por não aceitarem as novas bases de negociação estabelecidas pelo Quarteto para o Oriente Médio (Estados Unidos, Rússia, União Europeia e ONU) na semana passada. %u201COs palestinos estão escapando dia após dia. Eu não estou preparado para que Israel se torne o grande trouxa do Oriente Médio%u201D, disparou o chanceler.
A violência na região aumentou na quarta-feira passada, quando a Jihad Islâmica disparou foguetes e morteiros em direção a Israel. A resposta chegou no sábado, com um ataque israelense a um campo de treinamento da facção radical e bombardeios aéreos na área. Mais dois corpos foram encontrados ontem, elevando o número de mortos para 13 %u2014 apenas um, israelense. Os ataques por parte dos radicais continuaram na segunda-feira, mas não houve registro de vítimas.