Agência France-Presse
postado em 02/11/2011 08:57
PARIS - A sede do semanário satírico francês Charlie Hebdo em Paris, que nesta quarta-feira publica um número especial com uma charge do profeta Maomé na capa, foi destruída por um incêndio criminoso durante a madrugada, um ato que provocou indignação na classe política e na imprensa da França.As chamas, que não causaram vítimas, foram provocadas por um coquetel molotov lançado contra o prédio da revista na madrugada desta quarta-feira, segundo a polícia.
"A liberdade de expressão é um valor inalienável de nossa democracia", declarou o primeiro-ministro francês François Fillon, que manifestou "indignação" com o incêndio na redação do semanário.
A revista mordaz decidiu, para "celebrar a vitória" do partido islamita Ennahda nas eleições na Tunísia, fazer do profeta Maomé o editor do número desta quarta-feira, que recebeu o título especial de "Sharia Hebdo". A sharia é lei islâmica.
O título da publicação, que chegou às bancas nesta quarta-feira, precedido por um grande debate nas redes sociais, também é uma referência ao recente anúncio do Conselho Nacional de Transição na Líbia da restauração da lei muçulmana.
"Cem chicotadas se você não morrer de rir", adverte a capa da revista, que teve o site aparentemente afetado pela ação de hackers nas últimas horas.
A edição inclui um editorial assinado por Maomé, com o título "Aperitivo Hatar", ilustrações e até um suplemento feminino, o "Sharia Madame".
Na última página há uma charge de Maomé, com um nariz vermelho de palhaço.
"Sim, o Islã é compatível com o humor", afirma o profeta no desenho.
O incêndio destruiu o térreo e o primeiro andar do prédio da revista, na zona leste de Paris, mas foi controlado e não provocou nenhuma vítima, segundo a polícia.
"Ninguém foi detido", afirmou uma fonte policial, antes de afirmar que a investigação deverá confirmar o uso do coquetel molotov.
De acordo com o diretor da revista, o desenhista Charb, o incêndio está "diretamente vinculado" com a edição especial desta quarta-feira.
"No Twitter, no Facebook, recebemos muitas mensagens de protestos, ameaças, insultos, que a direção da revista pretende repassar à polícia", disse.
O jornal Libération e a revista Nouvel Observateur ofereceram imediatamente asilo à redação do semanário.
"As equipes da Charlie Hebdo são bem-vindas, até que encontrem uma nova sede e computadores", anunciou o diretor de redação do Libération, Nicolas Demorand. A Nouvel Obs também fez uma oferta similar, em sinal de solidariedade.
A publicação já havia recebido ameaças durante a publicação das caricaturas de Maomé em 2006.
Mas para Charb, o número desta quarta-feira "não tem o mesmo alcance, é mais uma piada que outra coisa".
"A iniciativa buscava apenas abordar um tema da atualidade com o humor que caracteriza a revista".
O presidente do Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM), Mohammed Moussaui, condenou com firmeza o incêndio, "se for confirmado que teve origem criminosa", e afirmou que a capa da publicação é "menos "violenta" que as caricaturas do profeta publicadas há cinco anos.
O CFCM destacou, no entanto, que "fazer caricaturas do profeta é considerado uma ofensa pelos muçulmanos".
Em fevereiro de 2006, a revista satírica publicou 11 páginas de charges de Maomé, que haviam sido publicadas no ano anterior por um jornal dinamarquês. O chargista Kurt Westergaard foi alvo de uma tentativa de assassinado por um fanático.
Na ocasião, a capa do Charlie Hebdo mostrava o profeta chorando.
"É duro ser amado por tontos", afirmava Maomé no desenho.
A União de Organizações Islâmicas da França processou na ocasião a revista por "ofensa contra um grupo de pessoas por sua religião".