postado em 12/11/2011 08:19
Por sete vezes, Sa;ad (nome fictício) esteve muito perto de ser executado pelas tropas sírias. ;No mês passado, protestávamos na rua, quando uns 30 soldados apareceram de três direções diferentes e ordenaram que nos ajoelhássemos, em posição de execução. O líder deles gritou para que corrêssemos. Quando começamos a fugir, tiros foram disparados e vi três manifestantes tombarem mortos;, contou ao Correio o estudante de 23 anos, morador de Homs ; a terceira maior cidade da Síria, situada 160km ao norte de Damasco. As conclusões do relatório We live as in war (Nós vivemos como em guerra), da organização não governamental Human Rights Watch (HRW) não surpreenderam o rapaz, que teve quatro amigos assassinados pelo regime. Nem amedrontaram o presidente Bashar Al-Assad: a tevê Al-Arabiya divulgou que 30 pessoas foram mortas ontem.;A HRW crê que a natureza e a escala dos abusos perpetrados pelas forças de segurança sírias indicam que crimes contra a humanidade possam ter sido cometidos;, afirma o documento de 68 páginas, divulgado ontem em Nova York. ;Na maioria dos casos, testemunhas insistiram que aqueles mortos e feridos estavam desarmados;, afirma o texto, que denuncia a execução de 793 indivíduos na região, entre março e setembro deste ano.
De acordo com o relatório, apesar do grande número de mortos, a resposta internacional à crise humanitária ;tem sido arduamente lenta e inadequada;. Para Sa;ad, o presidente sírio é um criminoso e tem responsabilidade sobre cada pessoa morta à bala. ;Vamos processar Al-Assad e todos os membros do regime;, prometeu. A HRW pediu à Liga Árabe que suspenda a Síria, caso a violência continue. ;Homs é o microcosmo da brutalidade do governo sírio;, escreveu Sarah Leah Whitson, diretora executiva da Divisão para o Oriente Médio e o Norte da África da HRW. Os chanceleres árabes devem se reunir hoje, no Cairo, em caráter urgente, para debater o descumprimento de Al-Assad de sua promessa de pôr fim à repressão.
Editor do dossiê e vice de Sarah Leah, o americano Joe Stork afirmou ao Correio, por e-mail, que seus investigadores encontraram evidências de vários crimes cometidos pelas forças leais ao regime. ;Eles incluem assassinatos sistemáticos, detenções arbitrárias, tortura e desaparecimento forçado;, relatou. ;As autoridades sírias não realizaram quaisquer investigações e não tomaram iniciativas para encerrar essas práticas criminosas.; O ativista da HRW defende uma investigação judicial e sugere que ela ocorra no âmbito do Tribunal Penal Internacional. Segundo Stork, a natureza disseminada dos crimes indica uma política de Estado e não apenas ações individualizadas de militares. Por trás do massacre que já custou 3,5 mil vidas em todo o país, quase sempre estão os mukhabarat ; como são conhecidos os agentes da inteligência síria ;, as milícias Shabeeha (pró-governo), o Exército e a polícia.
Brasil
O documento da HRW lembra que ;recorrer sistematicamente aos canhões contra civis em Homs, praticar a tortura e execuções sumárias provam que crimes contra a humanidade foram cometidos pelas forças de segurança sírias;. Todas as vezes que Sa;ad segue para um protesto, ele teme não voltar para casa. ;Prometemos aos nossos amigos mortos que continuaremos, até que Al-Assad caia;, comentou o estudante. Nos últimos dias, ele e outros cidadãos de Homs adotaram um slogan que traduz suas aspirações: ;Ou vivemos com liberdade e dignidade ou morremos;.
Além de recomendações a Al-Assad, à Liga Árabe e às Nações Unidas, a HRW pediu a intervenção de Brasil, Índia e África do Sul. ;Peçam ao governo sírio para agir de boa-fé e conceder acesso a uma Comissão de Investigação da ONU, a monitores e à mídia internacional; e mostrem liderança na Assembleia Geral por uma ação coletiva dos Estados-membros da ONU para a proteção do povo sírio;, afirmou a HRW.
Três perguntas para - Ausama Monajed
Membro do Conselho Nacional Sírio
Quais as principais evidências de que Al-Assad comete crimes contra a humanidade?
Muitos membros do Conselho Nacional Sírio são ativistas, e estamos conectados com todas as regiões. Nós temos documentado vídeos, fotos, relatos de integrantes do regime, documentos judiciais, evidências de médicos e juízes, dezenas de milhares de depoimentos, e centenas de confissões de ex-membros do governo. Ainda estamos documentando os números de série de todas as balas e destroços de mísseis e foguetes que encontramos, inclusive com fotografias.
Por que o mundo tem se mostrado passivo em relação à Síria?
Os países temem uma instabilidade regional em potencial. Al-Assad tem blefado sobre um levante no Oriente Médio, caso seu regime seja alvejado. Mas a realidade mostra que seus aliados mais próximos ; o Irã e o Hezbollah (milícia xiita libanesa) ; já começaram a se distanciar de Damasco. Não há nada que o regime possa fazer. Para que as atrocidades de Al-Assad sejam interrompidas, é necessária uma série de medidas multifacetadas, tomadas por atores regionais e internacionais. As sanções da Liga Árabe mostrarão ao regime que ele não tem mais para onde correr, levando ao medo e a desordem às suas fileiras e provocando deserções. Por outro lado, isso acirraria a moral dos manifestantes sírios e encorajaria o Conselho de Segurança da ONU e as potências a desempenharem um papel mais proativo.
O senhor vê muitos sinais de deserção dentro das forças de segurança sírias?
Sim. Quando os soldados se recusam a abrir fogo contra manifestantes pacíficos, eles são executados. Isso tem detonado deserções em massa.