Renata Tranches
postado em 14/11/2011 08:32
As informações que chegam da Líbia já não relatam mais bombardeios e mortes de civis. Depois de meses em que a violência dominou o noticiário, o país se volta para as decisões políticas, em um ritmo mais lento. Mas a batalha na Líbia não terminou. Pode-se dizer que está apenas começando. Os confrontos saíram de cena e deram lugar às disputas ideológicas, nas quais os novos líderes precisam ser hábeis o suficiente para conseguir acordos que permitam reconstruir o país e atender às expectativas de mais de 6,5 milhões de cidadãos.
Reconstrução que não passa apenas pela infraestrutura, sucateada em sete meses de bombardeios, mas também pela esfera institucional, praticamente inexistente nos 42 anos de ditadura de Muamar Kadafi. Do lado de fora, governos e empresas esperam ávidos pelo próximo capítulo dessa história, quando poderão retomar ricos contratos energéticos com um dos mais importantes produtores de petróleo do mundo. Analistas consultados pelo Correio discutem o longo caminho a ser percorrido, destacam a segurança como a questão mais premente e salientam a importância de uma contribuição não imperialista por parte dos países europeus.
Se o futuro é incerto, a palavra de ordem no presente é segurança. Especialistas são unânimes em apontar que essa é a questão mais urgente para o Conselho Nacional de Transição (CNT), que agrupou as forças anti-Kadafi e agora controla o país. Pensando nisso, a coalizão nomeou Abdel Rahim Al-Kib como primeiro-ministro interino, no lugar de Mahmud Jibril, que renunciou após a libertação do país, em 23 de outubro. Ele ficará no cargo até a primeira eleição geral, prevista para dentro de oito meses, e comprometeu-se a conduzir a desmobilização dos ex-combatentes.
O especialista em Líbia John Hamilton, diretor da consultoria de riscos Cross Border Information, do Reino Unido, avalia que as primeiras instituições a ser criadas na Líbia devem ser um Exército e a polícia. O grande desafio, para ele, é que os integrantes das milícias não estão preparados para serem incorporados a uma tropa regular. ;Estamos falando de um país onde há várias milícias, que precisam ser desarmadas e integradas às forças oficiais.;
Disso depende o sucesso do novo sistema político, segundo o professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Heni Ozi Cukier, especialista em resolução de conflitos, que já atuou como consultor para o Conselho de Segurança da ONU. Ele alerta que as diferenças entre grupos começam a vir à tona, o que poderia representar um empecilho ao projeto nacional. ;Manteria minha análise cética de que será muito difícil, uma vez que os desafios para a reconstrução são enormes, tanto geográficos como étnicos e tribais.;
Embora pense que é cedo para conclusões, Hamilton identifica sinais de que o CNT está indo bem. Segundo o analista, muitos pensaram que a Líbia poderia entrar em colapso nos primeiros estágios, talvez até em guerra civil ; o que não ocorreu. ;O nível básico de segurança não está tão ruim. De fato, o país está relativamente estável. O problema é que há muito para fazer.;
Fator Europa
Protagonistas no primeiro capítulo da revolta na Líbia, os governos europeus têm uma enorme responsabilidade nesse contexto, avalia Mohamed Ezz El-Din Mostafa Habib, vice-presidente do Instituto de Cultura Árabe (São Paulo) e pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da Unicamp. ;Se a Europa for carinhosa com a Líbia, o país se desenvolverá mais rápido. Mas se continuar sua política imperialista em uma versão nova, africano, o processo vai demorar muito.; Segundo o analista, a reconstrução na Líbia é diferente, por exemplo, do caso de uma nação atingida por uma tragédia natural. ;O que houve lá foi um terremoto político;, compara.
Segundo Habib, uma vez que a conta da guerra esteja paga, a Líbia abrirá um verdadeiro canteiro de obras. ;Além do mais, garantirá o fornecimento de petróleo e gás natural aos países europeus, que são os maiores consumidores;, observa. Questionado se os líbios são mais felizes hoje, o egípcio diz acreditar que ;estão aliviados, mas angustiados;: ;Aliviados com o fim de um capítulo muito triste, mas ainda não estão tranquilos com relação ao amanhã. A palavra feliz ainda está bem longe do cenário;.