postado em 23/11/2011 09:12
"Eu estou no meio do gás lacrimogêneo. Há vários feridos e eles aumentam a cada minuto." A mensagem, enviada ao Correio pelo manifestante Mohamed Abd El-Hamid às 7h40 (11h40 no Cairo), anunciava mais um dia caótico na Praça Tahrir, situada no centro da capital. "Eu estou mais assombrado do que em choque com uma cena espetacular: os ativistas estão usando motocicletas para entrar na fumaça e resgatar colegas", acrescenta o estudante de marketing, de 18 anos. Nem mesmo a antecipação das eleições presidenciais em um ano, anunciada pelo Conselho Supremo das Forças Armadas (SCAF), foi o bastante para arrefecer os ânimos.
O marechal Mohamed Hussein Tantawi, chefe da junta militar que governa o Egito há 9 meses, garantiu que o povo escolherá o presidente até o fim de junho de 2012 e confirmou as eleições parlamentares de segunda-feira. "O Exército não quer o poder e coloca os interesses do povo acima de qualquer consideração. Ele está preparado para transmitir as responsabilidades imediatamente, se o povo desejar, por meio de um referendo popular", afirmou. Segundo Tantawi, os partidos políticos ajudarão a formar um "governo de salvação nacional".
A multidão %u2014 estimada em 1 milhão de pessoas %u2014 reagiu aos gritos de "Irhal! Irhal" ("Saia", em árabe). Para o fotógrafo egípcio Mohamed ElShaamy Ali, a declaração de Tantawi é insuficiente. "Os militares do SCAF prometeram sair em julho de 2012, mas o povo não abandonará a praça até que eles deixem o poder", admitiu, por telefone, direto de Tahrir. Às 22h15 de ontem (hora local), o estudante Ahmed Moomen, 21 anos, retornava do hospital quando atendeu à ligação da reportagem. Ele havia acabado de sofrer asfixia por causa do gás lacrimogêneo lançado pelas forças de segurança e não parecia intimidado. "Os protestos continuarão dia após dia, até a partida do SCAF."
Segundo Moomen, os egípcios se mobilizam em grandes números não apenas na capital, mas também em outras cidades. "Sinto alegria, pois estamos lutando pela democracia contra nosso próprio Exército, ainda que muitos estejam morrendo", desabafou. Na segunda-feira, o rapaz viu ao menos cinco corpos %u2014 até o fechamento desta edição, eram 33 mortos e pelo menos 2 mil feridos. Novos protestos foram registrados ontem em Alexandria e em Port Said (ambas às margens do Mar Mediterrâneo), em Aswan (sul) e em Suez, na costa do Mar Vermelho.
Ferimentos
Omar Marsafy, 24 anos, vai carregar no corpo os projéteis de chumbo disparados pelas tropas, durante os confrontos de ontem. "Fui atingido nos braços, na cabeça e no pescoço. E recebi tratamento no hospital de campanha em Tahrir, mas os médicos não removeram as esferas", relatou ao Correio, por telefone. Ele considera "insignificante" a concessão de Tantawi. "Desde a primeira revolução, queremos respeito, dignidade e um governo civil. O que eles nos deram foi um Estado militar", criticou. %u201CA mídia ainda é controlada pelo SCAF, que ainda continua aprisionando as pessoas por causa de suas ideias", acrescentou. Ao fundo, o barulho de ambulâncias, enquanto a multidão gritava "Derrubem o marechal", em referência a Tantawi.
Os EUA criticaram o "uso excessivo da força". "Condenamos o excesso de força empregado pela polícia e pedimos ao governo egípcio que tenha o máximo de moderação, a fim de disciplinar as forças de ordem e garantir o direito universal dos egípcios de se manifestar pacificamente", disse a porta-voz do Departamento de Estado, Victoria Nuland.
A organização não governamental Anistia Internacional, por sua vez, divulgou um relatório com conclusões alarmantes. Segundo o documento Broken promisses: Egypt's Military Erode Human Rights ("Promessas quebradas: os militares do Egito destroem os direitos humanos"), o SCAF tem cometido violações mais graves que as registradas durante os 30 anos da ditadura de Mubarak. "O nível de violência das forças de segurança e dos soldados é inaceitável. Recebemos relatos do uso de munição real, gás lacrimogêneo e balas de borracha. Assassinatos têm sido praticados em protestos, desde a queda de Mubarak", afirmou, por e-mail, Philip Luther, diretor do Programa Oriente Médio e Norte da África da Anistia Internacional.
Tunísia democrática
A Tunísia entrou ontem em uma nova era de democracia, com a sessão inaugural de sua Assembleia Constituinte, que elegeu como seu presidente o líder do partido de esquerda Ettakatol, Mustapha Ben Jaafar. Formada por 217 membros, a Assembleia confirmou um acordo no qual o partido islâmico Ennahda e outros dois partidos dividiram entre si os três principais cargos do país. Além de Ben Jaafar na Presidência da Constituinte, Moncef Marzouki, líder do Congresso pela República (CPR), deve chegar à Presidência da República. Hamadi Jebali, número 2 do Ennahda, foi convocado a dirigir o governo. Os legisladores terão a tarefa de formular a Constituição. "Serei fiel à grande revolução tunisiana, fiel aos seus objetivos, custe o que custar", disse Ben Jaafar. A Primavera Árabe teve início na Tunísia, com a deposição do presidente Zine El Abidine Ben Ali, em 14 de janeiro.
Retrato do horror
"Muitas pessoas foram sufocadas pelo gás lacrimogêneo. Feridos levados ao Hospital Ahmed Maher, aqui no Cairo, estão sendo entregues às forças de segurança e detidos. Na segunda-feira, vi e fotografei três corpos. Um dos mortos tinha um ferimento à bala real no estômago. Os outros dois foram atingidos com balas de borracha na cabeça".
Mohamed ElShaamy Ali, egípcio, esteve ontem na Praça Tahrir
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