postado em 30/11/2011 11:39
Eles arrancaram e incendiaram a bandeira britânica que tremulava dentro da Embaixada do Reino Unido, na Avenida Ferdowsi, em Teerã. Em seu lugar, colocaram o estandarte iraniano. As fotografias da rainha Elizabeth II que antes estampavam o interior do prédio foram expostas como troféu. Coquetéis molotov explodiram, destruindo documentos. Janelas ficaram estilhaçadas. Um dos 50 supostos estudantes linha-dura iranianos leu um comunicado, por meio do qual tentava justificar o ato. ;A embaixada da velha raposa deveria ter sido ocupada bem antes. Cada iraniano de mente livre, cujo coração bate por essa terra e que tem observado os crimes do velho colonialismo contra o Irã e contra os iranianos, deveria saber que a ocupação da embaixada serve aos interesses nacionais;, afirma o texto. Entre as exigências do grupo, estavam a expulsão do embaixador Dominick John Chilcott e o fechamento da representação. No último domingo, o Parlamento do Irã aprovou a redução dos laços com Londres ao nível de encarregado de negócios, em retaliação a sanções contra os setores bancário e energético do país.Na região norte da capital do Irã, cerca de 100 manifestantes também tomaram o Gholhak Gardens, um complexo de residências de diplomatas ingleses, e fizeram seis funcionários reféns, libertados horas depois. ;Abaixo o Reino Unido; e ;Os estudantes estão despertos e odeiam os britânicos; eram algumas das palavras de ordem dos invasores. Em nota publicada no próprio site da embaixada, a chancelaria do Reino Unido avisou: ;Nós estamos ultrajados por isso;.
;Grave violação;
William Hague, ministro das Relações Exteriores britânico, responsabilizou o regime de Mahmud Ahmadinejad pelo fracasso em resguardar a embaixada. ;Trata-se de grave violação da Convenção de Viena, que exige a proteção de diplomatas e das premissas diplomáticas sob todas as circunstâncias;, declarou. O governo britânico alertou que Teerã sofrerá ;consequências severas;. Os protestos foram encerrados após a polícia impor um ultimato. O presidente americano, Barack Obama, considerou o episódio ;inaceitável. À noite, os estudantes prometeram manter os protestos, até que Teerã suspenda as relações com Londres.
Em Newcastle Upon Tyne (nordeste do Reino Unido), o estudante iraniano Mehrani Ghorbani, 28 anos, sentia na pele os efeitos dos protestos em Teerã. ;Minha prima, a quem eu não encontro há mais de um ano, tinha uma entrevista na embaixada para obter o visto. Provavelmente, nunca mais a verei e ela provavelmente perderá uma oferta de emprego aqui na Grã-Bretanha;, lamentou, em entrevista pela internet. Ele diz ter certeza do envolvimento da milícia Basij nos incidentes de ontem. ;Tudo o que seus integrantes fazem é obedecer às ordens do governo. Mas nem Ahmadinejad consegue controlá-los;, explicou.
Especialistas
O britânico Scott Lucas, especialista em Irã pela Universidade de Birmingham, acredita que os manifestantes têm ligações com agências do regime iraniano, incluindo a milícia Basij. ;Seus membros não são dominados pelos aiatolás. Mas há muitos grupos, estatais e independentes, envolvidos nesse tipo de demonstração;, afirmou ao Correio, por e-mail. Para Lucas, o Ocidente adotará a cautela para responder à agressão ao Reino Unido. ;Se as potências forem astutas, perceberão que as ações do regime de Ahmadinejad decorrem da fraqueza, em vez da força. A economia iraniana está em apuros e o sistema político vem sendo assolado por conflitos internos;, admitiu.
Os linhas-duras atuariam como uma massa de manobra das autoridades. É o que pensa a advogada e ativista iraniana Lily Mazahery, presidente do Legal Rights Institute (em Washington). ;Historicamente, a relação entre Irã e Reino Unido é excepcionalmente complexa. Esta foi outra tentativa dos iranianos de intimidar o governo britânico e desviar o foco de problemas internos, dentro do próprio governo e da estrutura de poder iraniano;, comentou à reportagem. ;O governo iraniano tenta criar fumaça em um local, para distrair a atenção mundial dos incêndios que ocorrem em todo o país.;
Temidos e leais ao aiatolá
A Basij-e Mostaz;afin (ou ;Mobilização dos Oprimidos;, em persa) é uma milícia de paramilitares voluntários criada em 1979, sob as ordens do aiatolá Ali Khomeini, líder da Revolução Islâmica. A força consiste em jovens iranianos que exercem atividades ligadas à segurança interna, ao cumprimento da lei e aos serviços sociais. O grupo ganhou fama pela repressão aos dissidentes. Subordinados à Guarda Revolucionária Iraniana, os integrantes da Basij possuem representantes em quase todas as cidades do Irã. Um estudo conduzido pelo Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), em Washington, estima que a milícia tenha 90 mil membros ativos e 300 mil reservistas. No entanto, 1 milhão de paramilitares podem ser mobilizados às pressas.
Chamado à ação
;É quase certo que o governo do Irã esteja por trás da organização de protestos dos supostos estudantes. Os manifestantes são todos homens e usam barba ; as características físicas dos milicianos Basij. Muitos linhas-duras têm publicamente declarado que, ;caso o Reino Unido não cale a boca, os estudantes iranianos vão se revoltar; contra a embaixada. Os incidentes em Teerã foram, essencialmente, um chamado à ação dos linhas-duras às forças Basij.;
Lily Mazahery, advogada iraniana especialista em política do Irã e presidente do Legal Rights Institute
;Um ato de agressão;
;O ataque à Embaixada do Reino Unido é um ato de agressão, mas não de guerra. Trata-se de um forte sinal ; direcionado não apenas aos britânicos, mas também aos seus aliados ; de que o Irã reagirá às sanções. Provavelmente, também, foi uma resposta aos medos do regime e à incerteza sobre o ataque à base da Guarda Revolucionária Islâmica, em 12 de novembro, e à explosão de ontem (segunda-feira) em Isfahan.;
Scott Lucas, especialista em política externa britânica e em Irã pela Universidade de Birmingham (Reino Unido)