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Vítimas de Al-Assad revelam ao Correio drama de viver em Homs e Hama

postado em 04/12/2011 08:00
Lixo acumulado em rua de Homs: governo estaria impedindo limpeza nas regiões onde os protestos se concentram
Todos os dias, dezenas de sírios são abatidos pelas forças de segurança e por franco-atiradores leais ao ditador Bashar Al-Assad. ;Toda casa em Homs tem um mártir ou um prisioneiro;, afirma ao Correio Waleed Fares, um ativista de 25 anos que mora no bairro de Al-Khaldiah ; um dos mais visados pelas forças de segurança. ;O número de mártires aqui já passa de 80, sendo que cinco deles eram meus amigos;, diz. Vários colegas dele estão presos e familiares se viram obrigados a abandonar suas casas. A vida mudou nesta cidade de 1,5 milhão de habitantes, distante 162km de Damasco. Segundo Waleed, as relações sociais se tornaram mais difíceis. ;Mover-se de um lugar para outro é arriscado, por causa da presença de franco-atiradores e de barreiras militares. Podemos ser presos a qualquer momento;, conta. ;Os tanques permanecem nas ruas e a tristeza se abate sobre a população;, lamenta. Ele sugere que Homs está à beira de um desastre humanitário. ;A pobreza aumenta, falta comida e os suprimentos médicos começam a escassear.;

Moradores do distrito de Inshaat, na mesma cidade, fazem fila para encher cilindros de gás: combustíveis em falta
Yazan Homsy, 25 anos, viu-se forçado a abandonar o mestrado em ciências econômicas pela Universidade de Damasco, sete meses atrás. ;Muitos de nós deixamos o trabalho, com medo dos tanques nas ruas;, afirma o morador do bairro de Baba Amro, também em Homs. De acordo com ele, após as 17h, a cidade se torna fantasma. ;Todas as noites, os franco-atiradores ocupam os prédios do governo e os bancos. Escutamos explosões e disparos de armas automáticas, além de enxergarmos clarões em diferentes bairros;, relata. Quatro vizinhos e dois primos foram executados pelas forças de segurança. O açougueiro, o farmacêutico e o comerciante de verduras também morreram.

Os depoimentos ao Correio coincidem com as conclusões da Comissão Independente de Investigação sobre a Síria. O relatório, liderado pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, citou casos de estupros, assassinatos e abuso sexual de crianças, além de execuções sumárias de civis. A síria Baraa Agha, 21 anos, sabe que o fato de ser mulher em Homs a torna um alvo em potencial. Por isso, evita sair de sua casa, na Rua Al-Daplan, na região central da cidade. ;A última vez foi duas semanas atrás;, revela. Ela também largou os estudos e se tornou uma ativista às 2h de 18 de abril passado, quando os soldados mataram 300 manifestantes que estavam sentados na grama, entoando palavras de ordem contra o regime. Baraa escapou por um triz: deixou o local às 23h. ;Ouvi os tiros de casa. Havia milhares de manifestantes na praça;, diz.

Ela dorme cerca de três horas por noite e sempre acorda ao som de explosões e de disparos de artilharia. ;Eu cancelei todos os aspectos da vida que eu tinha. Não saio de casa durante o dia, porque posso ser presa ou sequestrada. À noite, estou vulnerável aos franco-atiradores ou às metralhadoras;, comenta. Nos últimos meses, ela resolveu se dedicar à documentação dos crimes e das violações dos direitos humanos. ;Antes de março, minhas preocupações se limitavam a estudar. A política não fazia parte de meus propósitos;, lembra. ;Desde o início da revolução, eu já não penso mais em mim mesma e em meus sonhos, que são ridículos diante do sonho de liberdade do meu povo;, acrescenta.

Em casa
Uma liberdade que custa muito caro. Como vários outros sírios, Baraa tem histórias de horror para contar. O primo Motassem Bargoth, de 10 anos, foi morto por um franco-atirador ao abrir a janela. Dezenas de colegas ficaram feridos ou estão atrás das grades. ;Uma amiga de minha mãe acabou atingida por uma única bala dentro de casa, que lhe causou hemorragia nos pulmões, no fígado e no útero;, afirma. De acordo com ela, cada vez que as forças de Al-Assad invadem um bairro, os moradores enfrentam vários dias sem eletricidade, água ou acesso à internet. ;Acordamos e adormecemos ao som das balas e não podemos nem mesmo ver nossos vizinhos ou amigos, por medo de sermos atingidos;, lamenta a ativista. Mas ela assegura que nenhuma bala será capaz de demover os moradores de exigir a queda do ditador. ;Até as crianças estão protestando como podem, em becos estreitos ou mesmo das varandas de suas casas. Elas rasgam as fotos do presidente que estampam os livros escolares e escrevem a palavra ;liberdade; nas páginas.;

Impressionado com as denúncias de crimes cometidos pelo Estado na Síria, o Conselho de Direitos Humanos decidiu nomear um investigador e abriu espaço para ações mais contundentes do Conselho de Segurança da ONU e do Tribunal Penal Internacional. ;O mundo permanece de braços cruzados. As potências só olham para seus interesses e fecham os olhos para o massacre;, lamenta Yazan, que também vê um desastre humanitário. ;Em alguns bairros, os serviços básicos de fornecimento de água, eletricidade e comunicações inexistem. Há pilhas de lixo espalhadas por muitos bairros, pois o governo tenta impedir que os funcionários limpem as áreas onde a oposição se concentra;, acrescenta.

Em Hama, Abu Hassan Al-Hamwi, 25 anos, relata ações brutais das ;gangues de Al-Assad;. ;Os soldados cortaram as mãos de meu vizinho apenas porque ele abriu a padaria, para alimentar o povo com pães;, desabafa. Ele alega que mais de mil pessoas já morreram na cidade, e acusa o ditador de ter contratado mercenários da milícia xiita libanesa Hezbollah, além de guerrilheiros do Irã e do Iraque. ;Queremos que o Conselho de Segurança intervenha e proteja os civis.; Segundo Abu Hassan, os moradores enfrentam o inverno sem diesel para alimentar os aquecedores e sem gás de cozinha.

Mais 18 mortos
Pelo menos 18 pessoas ; 11 civis e sete militares e membros das forças de segurança ; morreram ontem na Síria, segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH). As mortes foram registradas em Idleb (320km a nordeste de Damasco), Tafas (sul da província de Deraa) e em Homs, principal foco da rebelião contra o governo de Bashar Al-Assad. Segundo a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, a repressão aos protestos na Síria já deixou um saldo de 4 mil mortos desde o início das manifestações, em março passado.

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