Renata Tranches
postado em 05/12/2011 08:00
Inspirados pelo modelo turco e com um discurso mais moderado, partidos islamitas começam a consolidar força nas primeiras eleições realizadas nas nações que vivenciam a Primavera Árabe. Banidos e, muitas vezes, perseguidos duramente durante os longos regimes que ocupavam o poder até recentemente na região, esses partidos conseguiram se manter organizados e presentes na vida da população, que agora reconhece nas urnas sua importância, segundo analistas ouvidos pelo Correio. Sempre lembrada por ser onde a onda de revoltas no Oriente Médio começou, a Tunísia é um exemplo claro de em qual direção os ventos sopram na região. Em outubro, nas primeiras eleições após a derrubada de Zine Ben Ali, o islâmico Ennahda venceu ; e seu número dois, Hamadi Jebali, irá liderar o futuro governo. No Egito, cuja revolução simbolizada pelas gigantescas manifestações na Praça Tahrir foi claramente inspirada na mobilização dos tunisianos, os primeiros resultados das eleições parlamentares reforçam essa tendência.
Com os resultados oficiais divulgados ontem, o Liberdade e Justiça, uma espécie de fachada partidária da Irmandade Muçulmana (36,62%), o fundamentalista radical Al-Nur (24,36%) e o moderado Wassat (4,27%) alcançaram cerca de 65% dos votos na primeira fase das eleições parlamentares egípcias. Os liberais, divididos em seis listas, alcançaram um total de 29,39% e foram os grandes derrotados da eleição. Unidos em coalizão ou não, se os resultados se repetirem ao fim do processo eleitoral, os islamitas serão a maioria no novo Parlamento egípcio. No Marrocos, sob as regras da nova Constituição do país, alterada após protestos populares em julho, o Partido Justiça e Desenvolvimento (PJD), moderado, alcançou maioria e nomeou o novo primeiro-ministro marroquino.
O professor e pesquisador do projeto Islamismo, Pluralismo e Globalização, da Universidade de Montreal (Canadá), Patrice Brodeur diz que a explicação para o avanço dos adeptos do islã é simples. Segundo ele, os movimentos por trás das siglas continuaram ativos, ajudando a população com a prestação de serviços básicos, que muitas vezes eram ignorados pelos governos. Com isso, a popularidade desse tipo de agremiação foi aumentando ao longo dos anos, especialmente entre os mais pobres. ;Se houver uma votação verdadeiramente democrática, é claro que as pessoas vão se lembrar do trabalho que tem sido feito por décadas por essas organizações;, explica. ;Vão preferir votar neles do que em partidos novos ou ligados ao antigo regime.;
Adaptação
O analista do Centro de Estudos Africanos (Portugal) Raúl Braga Pires, pesquisador da Universidade Mohammed V (Marrocos), destaca que a Primavera Árabe tem mostrado como o islã e os partidos ligados a ele têm se nacionalizado cada vez mais e se adaptado às ;idiossincrasias regionais;. Segundo ele, os ;reformistas e os modernistas; estão se expandindo e a Tunísia é um exemplo claro de que, quando a democracia é praticada de forma plena, são os islamitas quem ganham o poder. ;As pessoas estão percebendo que, quando as coisas são feitas com compromisso, todos ganham e elas não precisam perder sua identidade islâmica;, afirmou. Dá força ao argumento do professor o exemplo da Líbia, onde, apesar de não haver um partido islamita no poder, as novas autoridades afirmaram que terão na sharia (lei islâmica) a principal fonte de inspiração para a futura Constituição do país.
A principal razão, porém, para esses partidos saírem fortalecidos da Primavera Árabe, segundo Brodeur, está no fato de eles terem assumido uma postura crítica aos governos autoritários. ;As críticas que os islamitas têm feito aos regimes são apoiadas por uma grande parte da população, mesmo entre aqueles que não compartilham da ideologia religiosa;, explica. O canadense pondera ainda que é muito cedo para todos os partidos, independentemente de serem islamitas ou seculares, estarem devidamente organizados. Para ele, serão necessários alguns anos até que consigam desenvolver uma plataforma forte. ;Mas alguns deles vêm pensando sobre isso há muito mais tempo. Por isso, apresentam uma vantagem com relação aos outros, o que explica seu sucesso recentemente.;
Em um artigo publicado pelo site War and Peace in the Middle East, o diretor-geral da rede Al-Jazeera, Wadah Khanfar, afirma que apesar de o AKP (Partido do Desenvolvimento e da Justiça), na Turquia, não se autodenominar islâmico, seus 10 anos de experiência política têm guiado partidos dessa corrente como um exemplo de sucesso. O modelo turco, segundo ele, se baseia em três importantes características: a referência islâmica mais generalizada, uma democracia multipartidária e o significativo crescimento econômico do país. No rastro do AKP, as siglas tunisiana e egípcia têm prometido priorizar os desafios econômicos. Nesses dois países, assim como em outros da Primavera Árabe, o desemprego, a corrupção e a pobreza foram fatores determinantes para a queda dos regimes até então vigentes.