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Autoconfiança e violência são armas de Al-Assad para seguir no comando

Renata Tranches
postado em 11/12/2011 08:00


A visão é sua especialidade, mas ele parece não ver o que ocorre diante de seus próprios olhos. Formado em oftalmologia em Londres, o ditador da Síria, Bashar Al-Assad, afirma não ter nada a ver com o derramamento de sangue nos nove meses de protestos em seu país. Desde março, a repressão já causou a morte de 4 mil pessoas, segundo as Nações Unidas. Para analistas ouvidos pelo Correio, porém, o líder ; herdeiro de uma dinastia que controla a Síria há mais de 40 anos ; tenta se aferrar ao poder e deve levar a repressão às últimas consequências.

Pertencente a uma minoria alauíta em um país muçulmano de maioria sunita, a família Al-Assad chegou ao poder quando o então ministro da Defesa, o general Hafez Al-Assad, deu um golpe militar, em novembro de 1970. Nas três décadas em que Hafez esteve no comando, as forças de segurança tiveram liberdade para manter a ordem e foram responsáveis por um banho de sangue. A resposta a um levante contra o presidente terminou com a morte de mais de 20 mil pessoas nas cidade de Hama, em 1982.

Sem grandes aspirações políticas, Bashar viu-se diante da possibilidade de governar o país após a morte de seu irmão mais velho, Basil, até então o filho designado para assumir a função. Em junho de 2000, o quadro se confirma e Bashar torna-se chefe do Estado-Maior e das Forças Armadas, além de candidato único do Partido Baath (único do regime) para a Presidência da Síria.

;Bashar Al-Assad tem mudado desde que chegou ao cargo. Ele se tornou muito mais confortável com o poder e conseguiu sobreviver em meio a múltiplos desafios;, afirma o norte-americano David Lesch, professor de Oriente Médio da Trinity University (Texas). Autor de uma biografia do presidente ; The New Lion of Damascus: Bashar al-Asad and Modern Syria (sem tradução para o português) ;, Lesch visitou Bashar com frequência, entre 2004 e 2009. Ao assumir com a expectativa de promover mudanças no país, Al-Assad exibiu uma autoconfiança que, segundo o especialista, o transformou quase em um ;galo de briga;. O ditador acreditava que gozava de uma popularidade incomparável na Síria e no mundo árabe. ;Todos esperávamos que ele pudesse mudar o sistema autoritário no qual estava inserido. Mas, ao contrário, o sistema autoritário o mudou.;

A explicação para que um grupo de minoria étnica-religiosa tenha conseguido permanecer no poder por tanto tempo pode estar ligada ao extensivo uso da força e do temor a ela. A avaliação é do professor David Mednicoff, especialista em Oriente Médio pela Universidade de Massachusetts em Ahmherst (EUA). ;Como Saddam (Hussein) no Iraque ou (Muamar) Kadafi na Líbia, Al-Assad e seu pai governam criando o medo e colocando as pessoas para espionarem umas as outras;, explica Mednicoff. Associado ao uso da força está também o distanciamento entre governo e religião que, caso deixasse de existir, colocaria a família Al-Assad, alauíta, em evidente desvantagem ante a maioria sunita. Uma cúpula militar do mesmo grupo garante a primazia ao clã.

Lesch explica que os alauítas ganharam uma posição predominante nas Forças Armadas durante o período em que o controle do país foi outorgado aos franceses. A maioria sunita ;desdenhou; do serviço militar e se associou ao franceses. ;Foi uma das várias maneiras em que essa maioria repreendeu a minoria, o que explica por que os alauítas estão determinados a lutar duramente para manter o poder e não voltar ao status sem privilégios que tiveram;, afirmou.

Barganha
Entre os anos de 1950 e 1960, os alauítas estavam bem posicionados para tomar o poder, ajudados por uma sociedade com inúmeras divisões, apesar da maioria sunita. A partir daí, de acordo com Lesch, Hafez e Bashar propuseram uma ;barganha faustiniana; ; por meio da qual ofereceram mais estabilidade, em troca de um papel dominante e um Estado com menos liberdade política. ;Por isso, a maioria da população síria tem permitido a Al-Assad governar em um estilo autoritário, mas com estabilidade.;

Para Mednicoff, Bashar fará o que puder, inclusive dialogar, para se manter no poder. Mas as revoltas na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen têm mostrado que regimes militares que ;governam com o medo; não têm sido convincentes em mostrar aos cidadãos serem capazes de comandar o país. ;Líderes como ele têm pouco a oferecer em termos de abertura política real;, conclui Mednicoff. O problema, para Lesch, é que Bashar anunciou reformas, mas não as implementou. ;Ele quer ficar no poder e manter o sistema do mesmo jeito. Mas não pode ter os dois;, diz o biógrafo.

Três Perguntas Para

David Lesch, professor de Oriente Médio da Trinity University (Texas) e autor de uma biografia do presidente sírio, Bashar Al-Assad -- The new lion of Damascus: Bashar Al-Assad and Modern Syria

Quando o senhor conheceu o presidente Bashar Al-Assad?

Eu o conheci através de um amigo em comum. Meu amigo era um proeminente profissional sírio de uma comunidade relacionada a computadores, na qual Al-Assad era o líder antes de se tornar presidente. Quando ele chegou ao poder, levou várias pessoas desse grupo, na maioria acadêmicos, para seu governo. Meu amigo tornou-se ministro da Educação Superior.

Quando ocorreu seu primeiro encontro?

Ele fez meu pedido para uma entrevista ao presidente, pela primeira vez em 2002, para que eu a usassem em meu livro. Em 2004, ele concordou em falar comigo e eu o entrevistei extensivamente entre 2004 e 2005 para meu livro.

Vocês mantiveram contato depois disso?
Como ele pediu, continuei encontrando com ele duas vezes por ano até 2009, especialmente quando ele ficou bem isolado após o episódio do assassinato do ex-primeiro-ministro do Líbano, Rafik Hariri (o regime sírio, à época, foi associado ao crime).

E o massacre continua...
Depois de uma sexta-feira sangrenta, com 41 civis mortos pelas forças de segurança sírias ; incluindo sete crianças ;, a violência não deu trégua. Segundo o Observatório sírio dos Direitos Humanos (OSDH), mais nove pessoas não resistiram aos disparos efetuados pelos militares e morreram ontem em diferentes partes do país: três em Homs (centro), dois em aldeias da província de Deraa (sul) e quatro em Maaret Al-Noman (noroeste). Sete manifestantes também ficaram feridos em Hama (centro).

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