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O controverso premiê Vladmir Putin é uma espécie de czar da Rússia moderna

postado em 12/12/2011 08:17
Opositora mostra cartaz com a foto de Putin e critica permanência no poder, em protesto:
Quando a bandeira tricolor da Rússia foi hasteada em frente ao Kremlin, na noite de 25 de dezembro de 1991, o Ocidente festejou a vitória do capitalismo e da democracia. As imagens de televisão ; transmitidas com a ajuda de uma tecnologia que só se desenvolveu graças à Guerra Fria ; mostravam a derrota da foice e do martelo e enalteciam a promessa de nações livres e justas. Passados quase 20 anos, os países da extinta União Soviética conheceram a economia de mercado, suas vantagens e desvantagens. Politicamente, no entanto, ainda não conseguem se desvencilhar da figura do líder, uma espécie de czar dos tempos modernos que tem a incumbência de salvar a pátria.

Na Rússia, esse político é Vladimir Putin, um homem que ocupou a Presidência durante oito anos e, ao que tudo indica, vai voltar ao cargo no ano que vem. Alvo de diversas críticas durante a última semana, vindas de países a oeste do globo, Putin mantém alto nível de popularidade. Do mesmo partido do atual presidente, Dmitri Medvedev, o primeiro-ministro conta com 67% de aprovação entre os eleitores russos, muito embora 30% considerem o governo corrupto. O favoritismo em relação a Putin tem explicações econômicas, sociais e culturais. ;Durante sua administração (entre 2000 e 2008), Putin conseguiu restabelecer o orgulho russo, acabando com o caos instalado no governo de Boris Yeltsin;, explica a pesquisadora Lenina Pomeranz, a maior especialista brasileira em história da Rússia.

Outro trunfo de Putin foi usar os recursos da exportação de petróleo para redistribuir a renda entre a população. Com a queda do regime comunista, a riqueza ficou muito mais concentrada na mão de poucos, enquanto milhares de pobres tiveram que dividir a menor parte do bolo. O ex-presidente aproveitou as boas vendas do ;ouro negro; para aumentar salários e pensões. Para se ter uma ideia, um russo recebia, em média, US$ 142 mensais em setembro de 2002. Oito anos depois, esse valor passou para US$ 550. ;Ele foi um presidente de muita sorte. Esteve no cargo em um momento em que a economia russa estava se recuperando, após anos de declínio, e quando o preço do petróleo estava subindo;, observa o professor de ciência política Daniel Treisman, autor do livro The return: Russia;s journey from Gorbachev to Medvedev (ainda sem tradução para o português).

A governança do premiê se apoiou em uma série de práticas condenáveis, ainda mais aos olhos ocidentais. Para manter as coisas ;em ordem;, Putin inaugurou o que os especialistas chamam de democracia administrada, que inclui a possibilidade de manipular resultados eleitorais ; tal qual denunciado pelos observadores do pleito de 4 de dezembro. Mas há outras acusações mais graves, principalmente em relação ao cerceamento da mídia. Um dos casos mais emblemáticos foi o assassinato da jornalista Anna Politkovskaya, que escrevia sobre a guerra na Chechênia. Em 7 de outubro de 2006, dia do aniversário de Putin, ela foi morta a tiros em Moscou.

;Putin projetou uma sistemática subordinação dos meios eletrônicos para atingir os objetivos de uma elite dominante. E o governo falhou drasticamente em fazer justiça no assassinato de Anna Politkovskaya e de uma série de outros jornalistas reformistas;, diz Bruce Parrot, diretor do programa de estudos sobre Rússia e Eurásia na Johns Hopkins University, nos Estados Unidos. ;A Rússia tem regredido politicamente na última década e ainda precisa estabelecer um sistema verdadeiramente democrático, com base no estado de direito;, completa Parrot.

Outras acusações contra Putin dizem respeito à relação do ex-presidente com magnatas que enriqueceram após a privatização de empresas estratégicas, nos anos 1990. Muitos deles deram apoio à candidatura de Putin e não gostaram quando ele quis retomar o controle estatal, em 2007. ;Na gestão de Yeltsin, os oligarcas mandavam no governo, tinham até sala dentro do Kremlin;, lembra a pesquisadora Lenina Pomeranz. ;Mas, aí, Putin disse: ;Vocês cuidam de negócios, eu cuido de política;. E eles não gostaram muito;, completa. Nessa onda de reconstrução do Estado russo, alguns dos magnatas entraram no esquema do governo e outros acabaram acusados de crimes financeiros e foram presos.

Bem-amado
Mesmo com um passado um tanto quanto sombrio, Putin permanece como o líder mais querido entre os russos. Embora muitos tenham ido às ruas para protestar contra o resultado das eleições de 4 de dezembro, poucos associam a fraude à figura do premiê. O próprio Putin tem procurado descolar sua imagem do partido Rússia Unida, que ganhou a maioria parlamentar. ;O povo protesta, basicamente, contra um sistema que seria corrupto, não contra o primeiro-ministro;, aponta a Lenina Pomeranz. ;Mas, de fato, esse movimento pretende enfraquecer a candidatura de Putin às eleições de março.;

;Vinte anos atrás, os americanos acreditavam, ingenuamente, que um mercado livre faria a Rússia abraçar os valores ocidentais. Hoje, há um reconhecimento muito maior de que o país tem interesses que divergem do pensamento dos EUA e de seus aliados;, pondera o historiador Stephen Bittner, professor da Sonoma University, na Califórnia. Bittner destaca que a Rússia já se tornou um lugar bem mais amigável do que era durante o regime soviético. ;É possível que haja uma certa repressão a curto prazo, mas, pensando mais na frente, a trajetória deve ser completamente oposta;, diz.


Persona non grata
Entre os magnatas que desafiaram a administração de Vladimir Putin e fugiram para o exterior está Boris Berezovsky. Considerado um dos homens mais ricos do mundo, ele fez, em 2007, uma parceria com o Corinthians. O time, na verdade, seria usado para lavagem de dinheiro. Um juiz brasileiro impetrou uma ação contra Berezovsky, que chegou a ter a prisão decretada. O caso foi arquivado.


Ultranacionalistas nas ruas

Um dia depois do histórico protesto que reuniu entre 25 mil e 50 mil pessoas na Praça Bolotnaya, Moscou foi palco ontem de novas manifestações. Dessa vez, 300 ultranacionalistas ocuparam a mesma praça para criticar a participação das etnias na política russa e para lembrar o primeiro aniversário de uma violenta marcha realizada diante do Kremlin. O presidente Dmitri Medvedev anunciou ontem, em sua página no site de relacionamentos Facebook, que ordenou uma investigação sobre uma suposta fraude nas eleições de 4 de dezembro. A publicação na internet provocou mais de 2,2 mil comentários de ira em apenas uma hora.

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