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Movimento contra ditadura no Oriente Médio se volta contra Liga Árabe

Movimento que varreu as ditaduras no Norte da África e no Oriente Médio coloca em xeque a organização criada para unir a região contra as potências europeias. Nova geração árabe persegue valores universais, como democracia e tolerância

Renata Tranches
postado em 18/12/2011 08:00
Projetada com a missão de salvaguardar a união entre seus povos, a Liga dos Estados Árabes se viu neste ano às voltas com o desafio de se adaptar à nova realidade criada pela Primavera Árabe. Desde janeiro, uma onda de protestos populares se voltou contra as ditaduras que por décadas se abrigaram sob o teto da liga. Milhares de tunisianos lembraram ontem o primeiro aniversário do protesto desesperado que mudou o Oriente Médio e o Norte da África: o sacrifício do vendedor ambulante Mohammed Buazizi, que ateou fogo a si mesmo em protesto contra a perseguição das autoridades.

Um ano de turbulências foi o bastante para mostrar que o nacionalismo pan-árabe, tão importante para gerações anteriores, está longe de representar o sentimento dos protagonistas do levante. Ao contrário, a demanda dos manifestantes por reformas democráticas e melhoria das condições de vida mostrou consonância com o que ocorre em outras partes do mundo, dos Estados Unidos à Europa e à Rússia. Diante desse cenário, para alguns analistas consultados pelo Correio, a Liga dos Estados Árabes deveria aproveitar a oportunidade e se aproximar dos cidadãos. Para outros, ela perdeu a chance e continua servindo apenas aos interesses dos governantes.

A Liga Árabe, como é mais conhecida, foi criada em março de 1945, em resposta às preocupações quanto à divisão de territórios coloniais no pós-guerra. Também tinha como marca uma forte oposição ao surgimento de um Estado judeu na Palestina. Até hoje, a entidade é criticada por ser ineficiente e desunida, com pouco poder de decisão. No início da onda de revoltas, manteve uma postura protetora em relação aos regimes estabelecidos. Com a evolução dos protestos, no entanto, essa posição foi se alterando e, segundo a pesquisadora Isabel Alcario, analista de Oriente Médio no Instituto Português de Relações Internacionais (Ipri, Portugal), a nova conduta levou a dois momentos fundamentais em todo o processo.

O primeiro deles foi em março, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, com o apoio ao estabelecimento de uma zona de exclusão aérea na Líbia. A medida militar foi decisiva para o fim do regime de Muamar Kadafi e, posteriormente, para a morte do ex-ditador. ;Muitos analistas e jornais da região disseram, à época, que essa intervenção só seria possível com o apoio da Liga Árabe;, diz Isabel Alcario. O segundo, acrescenta, foi a decisão de suspender a participação da Síria e aprovar sanções contra o regime do presidente Bashar Al-Assad.

Mas, apesar das medidas tomadas, a conduta do organismo tem sido antagônica, na avaliação do cientista político tunisiano Larbi Sadiki, especialista em política do Oriente Médio da Universidade de Exeter (Reino Unido), para quem a liga não está sabendo como reagir ao tsunami social na região. ;Ela nunca experimentou um desafio como esse desde sua criação;, afirmou Sadiki, autor de Arab democratization: elections without democracy e The search for arab democracy: discourses and counter-discourses.

Dois pesos, duas medidas
As diferenças ficam evidentes quando se compara o tratamento dado ao Barein com o dispensado à Síria. Sob forte interesse e influência da Arábia Saudita, a entidade, segundo Sadiki, se cala ante o que ocorre no reino do Golfo Pérsico. A posição contrasta com a mobilização diplomática para pressionar o regime de Damasco. ;São respostas opostas que, igualmente, mostram como a Liga Árabe é contrastante;, disse. Se, por um lado, é herdeira de um velho mundo árabe que favorece alguns Estados e regimes, por outro, a liga tenta se adaptar, fazendo pequenas mudanças, para capitalizar o apoio popular às transformações democráticas.

Esse esforço não foi suficiente para aproximar a organização das populações árabes, na opinião do professor egípcio Mohamed Mostafa Habib, vice-presidente do Instituto de Cultura Árabe. Para ele, este foi o ano em que a Liga Árabe poderia ter resgatado o projeto do pan-arabismo, ideologia que, para o professor, acabou com a morte do ex-presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, grande defensor da bandeira. ;A entidade não ocupou o lugar que deveria e não exerceu seu papel;, afirmou.

O resgate desse conceito, porém, nunca foi a prioridade da Primavera Árabe, um movimento espontâneo que pede principalmente mudanças democráticas e melhores condições de vida. Sociedades de diferentes países, identificados com os mesmos problemas e as mesmas dificuldades, explicam o fato de os acontecimentos em um país inspirarem outros, mas Isabel Alcario descarta uma uniformidade. A analista portuguesa investigou sinais de alguma sinergia entre as diversas mobilizações, mas afirma não ter encontrado evidências.

Para ela, as demandas estão mais em consonância com os movimentos em outras partes do mundo, que vão do Ocupe Wall Street, nos Estados Unidos, aos protestos contra as fraudes eleitoras na Rússia. A mesma ideia motivou a revista Time, umas das principais publicações internacionais, a escolher ;o manifestante; como sua personalidade do ano. Sem escolher um rosto, a publicação, segundo o editor Richard Stengel, homenageia ;os homens e as mulheres de todo o mundo, em particular do Oriente Médio, que derrubaram governos e levaram um sentido de democracia e dignidade às pessoas que antes não o tinham;.

Protestos e oito mortes no Egito
Confrontos entre as forças de segurança egípcias e manifestantes contrários à junta militar que conduz o processo de transição se repetiram ontem no Cairo pelo segundo dia. A violência irrompeu na sexta-feira na Praça Tahrir, coração do movimento que derrubou o ditador Hosni Mubarak, e deixou um saldo de oito mortos e 299 feridos, segundo balanço oficial citado pela agência de notícias Mena. O primeiro-ministro Kamal El-Ganzuri garantiu que a tropa não abriu fogo e se referiu ao episódio como uma ;contrarrevolução;. ;Os que estão na praça não são os jovens da revolução;, afirmou, apontando a presença de ;elementos infiltrados; que ;não querem o bem do Egito;. O novo período de turbulência coincide com o andamento das eleições parlamentares, realizadas em três etapas segundo as regiões do país. Na primeira, partidos islamistas obtiveram dois terços dos votos. Em meio à pressão dos manifestantes para acelerar a transmissão do poder para os civis, um dos expoentes da oposição e possível candidato à presidência, Mohammed ElBaradei, criticou a repressão: ;Mesmo se o protesto fosse ilegal, estaria certo dispersá-lo de forma tão selvagem e brutal?;, questionou, em post no microblog Twitter.

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