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Ex-presidente tcheco Vaclav Havel morre de complicações de câncer de pulmão

Ex-dissidente que liderou a Revolução de Veludo morre dormindo, em sua casa de campo

postado em 19/12/2011 08:00
Tchecos homenageiam seu líder na praça onde ele comandou, em 1989, a rebelião pacífica contra o comunismo
O mundo se despediu de um ícone da democracia europeia. O ex-presidente tcheco Vaclav Havel, dramaturgo e dissidente político no período comunista, uniu a rebeldia e a sensibilidade de artista ao intelecto de político para lutar pela liberdade. Em 1989, na esteira da queda do Muro de Berlim, liderou a Revolução de Veludo, em que centenas de milhares de pessoas saíram às ruas de Praga para desmantelar o regime de partido único. Na primeira eleição livre desde 1946, foi eleito presidente. Ontem, ele morreu das complicações de um câncer de pulmão contra o qual lutou nos últimos anos.

Passados 22 anos da epopeia libertária, as ruas de Praga ficaram novamente lotadas por causa de Havel. Milhares de moradores da capital tcheca acenderam velas e levaram a bandeira nacional para homenagear um de seus maiores líderes. ;Ele foi o símbolo dos acontecimentos de 1989, símbolo do retorno de nosso país à democracia;, declarou o primeiro-ministro Petr Necas. Aos 75 anos, o ex-presidente da Tchecoslováquia (1989-1992) e depois da República Tcheca (1993-2003) foi vencido pelas complicações de saúde e morreu em sua casa de campo, enquanto dormia.

O presidente dos EUA, Barack Obama, declarou-se ;profundamente triste;. Disse que o dramaturgo ;ajudou a desencadear ondas da história que levaram a uma Europa unida e democrática;. Obama exaltou ;a resistência pacífica (que) sacudiu os alicerces de um império, expôs o vazio de uma ideologia repressiva e provou que a liderança moral é mais poderosa do que qualquer arma;.

O necessário na política não é saber mentir, mas ter a sensibilidade para saber quando, onde, como e para quem dizer as coisas Vaclav Havel, ex-presidente tcheco" />
No mesmo tom, o ex-presidente polonês Lech Walesa, lendário líder do sindicato independente Solidariedade, lamentou a perda de outro ícone da resistência anticomunista. ;A voz de Havel fará muita falta na Europa, especialmente agora, quando ela está em crise;, completou. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, mencionou a ;dívida profunda; da Europa para com Havel. ;Ele ajudou a trazer liberdade e democracia para o nosso continente;, afirmou. Em Portugal, o presidente Aníbal Cavaco Silva ressaltou o ;legado imenso de humanidade, coragem política e brilho intelectual; deixado pelo ex-governante tcheco. Também o ex-presidente português Mário Soares lamentou a perde de ;um homem extraordinário;, a quem classificou como um dos personagens mais importantes do século 20.

Burguês literato
Nascido em Praga, Havel era filho de uma família rica e viu os pais perderem propriedades sob o regime comunista. Menino no pós-guerra, foi privado de continuar os estudos pelo governo, por conta da origem social ;burguesa;. Nessa época, começou a trabalhar no teatro como assistente de palco. Foi maquinista, depois escritor e diretor, e esteve entre os intelectuais que impulsionaram a Primavera de Praga, em 1968. A experiência democratizante foi sufocada em agosto do mesmo ano, com a invasão das tropas soviéticas e a restauração da ditadura stalinista. Nove anos mais tarde, Havel e outros expoentes do movimento tornaram-se signatários do manifesto Carta 77, que reclamava o respeito aos direitos humanos e a libertação dos dissidentes.

Daí em diante, ele não desistiu da luta pacífica pela liberdade e pelo fim da repressão política. Ele descrevia-se como ;a estrela do cenário opositor;, ao lado de nomes como o romancista Milan Kundera, que se exilou após a invasão soviética. Em 1989, eleito presidente, conduziu a democratização da Tchecoslováquia e a transição para a economia de livre mercado. Em 1993, acompanhou a dissolução pacífica do país em dois Estados: a Eslováquia e a República Tcheca, da qual foi presidente por 10 anos.

Ao fim do mandato, dedicou-se a lutar pelos direitos humanos em Cuba, Belarus, Mianmar e na Rússia. Em 2006, voltou a escrever e lançou suas memórias políticas. Dois anos depois, apresentou a peça A ponto de partir, que também é título de seu primeiro filme, lançado no mesmo ano. Foi aclamado pela crítica.

Esse herói da resistência sem violência, no entanto, travou uma luta impiedosa contra a doença que minava seu organismo. Em 1996, retirou um tumor do pulmão direito. Dois anos depois, teve uma perfuração intestinal e, passados mais alguns meses, sobreviveu a um ataque cardíaco. Por causa do câncer e de uma pneumonia mal curada na prisão, o dramaturgo sofria com problemas respiratórios. Nos últimos meses, passava a maior parte do tempo em casa. Ontem, perdeu a batalha e deixou órfãos os seus admiradores.

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