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Missão da Liga Árabe chega a Homs, coração da revolta na Síria

Mais de 70 mil pessoas desafiaram o regime e foram às ruas pedir proteção internacional

Renata Tranches
postado em 28/12/2011 09:26
constrangimentos impostos pelo regime de Damasco e em meio a protestos e cobranças de ativistas da oposição, a missão de observadores da Liga Árabe visitou ontem a cidade de Homs, considerada o ;coração da revolução; na Síria. Mas, enquanto os visitantes relatavam que as forças oficiais haviam retirado os tanques das ruas durante a visita, militantes denunciavam que o armamento foi apenas escondido em prédios, sem interromper a dura repressão aos protestos, que ontem reuniram mais de 70 mil manifestantes nas ruas dessa simbólica cidade. Em entrevista exclusiva ao Correio, um ativista e um dirigente da oposição afirmaram que os monitores não estão conseguindo trabalhar livremente. Mas, se um vê com desconfiança o trabalho dos enviados, o outro considera o resultado da inspeção fundamental para que o governo do presidente Bashar Al-Assad seja punido pelas Nações Unidas.


Na primeira etapa da visita, os observadores se reuniram com o governador da província de Homs, Ghassane Abdel Al, segundo o canal de televisão Dunia, ligado ao governo. No mesmo dia, o chefe da delegação, o general sudanês Mohamed Al-Dabi, retornou a Damasco, mas o restante do grupo continuou em Homs. Sem revelar detalhes, a emissora oficial noticiou que a missão deve ir também a Hama (norte) e Idleb (noroeste).


A primeira tarefa dos observadores, porém, foi cumprida sob forte tensão. Ao longo do dia, foram postados nas redes sociais vários vídeos que mostravam manifestantes enraivecidos confrontando os monitores e pedindo proteção internacional, a exemplo do que foi feito na Líbia para apoiar a rebelião contra Muamar Kadafi. Outros acusavam os emissários da Liga Árabe de não querer ;enxergar a verdade;. Segundo organizações de direitos humanos e redes de ativistas, 44 pessoas foram mortas nas 24 horas que antecederam a chegada dos delegados.

Desconfiança
O universitário Omar Shaker, morador do bairro de Baba Amro, cercado por militares e há vários dias sob bombardeio contínuo, relatou ter visto monitores visitando o local, mas, segundo ele, ;não puderam fazer nada;. ;Não confio neles, porque se recusam a ver nossas casas destruídas, os corpos dos vários mortos ou os manifestantes feridos. Acho que estão com medo porque esse é um regime criminoso;, afirmou. Enquanto ele falava à reportagem, era possível ouvir os disparos do que o estudante descreveu como obuses.


Ausama Monajed, conselheiro do secretário-geral do Conselho Nacional Sírio (CNS), principal movimento de oposição a Assad, disse à reportagem que o regime não está permitindo que os observadores se movimentem livremente, além de restringir seu acesso às informações necessárias. Por isso, para Monajed, a visita não mudará a atitude do governo de reprimir e matar manifestantes, que se mobilizam há nove meses. Ainda assim, na sua opinião, o trabalho dos monitores será essencial para ;legitimar uma intervenção internacional em defesa dos civis; na Síria.


Apesar das contestações e do batismo de fogo, Al-Dabi afirmou, em entrevista à agência de notícias Reuters, que o primeiro dia foi ;muito bom; e ;todos os lados colaboraram;. O grupo que chegou ontem a Homs é integrado por 10 dos 50 monitores enviados ao país na segunda-feira. A missão faz parte de um plano da Liga Árabe para tentar solucionar a crise e colocar um fim à violência. Entre os termos do plano firmado entre a entidade e o governo de Damasco constam a libertação de presos políticos, a retirada do Exército das cidades e a livre circulação de observadores e jornalistas. A ONU estima que mais de 5 mil pessoas já morreram desde o início dos protestos, em março.


O governo de Bashar Al-Assad, de sua parte, garante que a violência é provocada por ;grupos terroristas armados;, supostamente vinculados à rede Al-Qaeda, que tentam ;semear o caos; no país. O regime atribuiu a eles a sabotagem a um gasoduto entre Kafar Abd e Rastan.

Protestos no Iêmen
A possibilidade de os EUA concederem permissão para que o presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, possa receber tratamento médico em seu território motivou novos protestos na capital iemenita, Sanaa. Fontes do governo norte-americano garantiram ao jornal The New York Times que a permissão será concedida, mas a Casa Branca não confirmou a versão. No Iêmen, os manifestantes contrários a Saleh alegaram que, uma vez que ele deixe o país, poderá facilmente ;escapar da Justiça;. Após assinar um acordo pelo qual abdicou do cargo, o presidente pediu permissão de Washington para tratar as queimaduras que sofreu durante um ataque a seu palácio, em junho.

Três perguntas para

Omar Shaker, estudante
universitário, 22 anos, vive no bairro de Baba Amro, em Homs

Como você descreve a situação em Baba Amro e na cidade?
O que se vê na internet é apenas um décimo do que realmente está acontecendo por aqui. Tentamos fazer vídeos, usar as câmeras de nossos celulares, mas não conseguimos colocar na internet, porque a conexão é terrível. Tentamos mostrar ao mundo a verdade, mas é muito difícil. Hoje (ontem), é impossível sair de casa. O bairro está cercado e as forças do regime estão por todos os lados. Eles prendem qualquer pessoa que estiver na rua.

Você já teve amigos ou familiares presos?
Claro, muitos dos meus amigos estão presos ou foram mortos. Tenho muita sorte de ter sobrevivido até agora.

Você espera que a comunidade internacional faça algo?
Espero que a imprensa livre leve minha mensagem ao mundo. Você pode ouvir os disparos enquanto conversamos e pode levar minha mensagem aos brasileiros. Pessoas aqui de Baba Amro e do Brasil são irmãs em direitos humanos. Gostaria muito que seu governo ajudasse a fazer com que o regime sírio pare com essa matança.

Vitória feminina

O Tribunal Administrativo do Cairo proibiu ontem o Exército de proceder a testes forçados de virgindade nas mulheres detidas em prisões sob sua autoridade. O processo foi movido por uma mulher e o caso provocou um protesto nacional, além de manchar a reputação dos militares, que passaram a controlar o poder após a queda do presidente Hosni Mubarak, em fevereiro. O chefe da Autoridade Militar de Justiça afirmou, em comunicado, que a decisão não poderá ser aplicada porque não há uma lei que force os testes e, segundo ele, se alguém tiver executado o procedimento, responderá a uma investigação criminal por um ;ato individual;.


A corte decidiu a favor de Samira Ibrahim, que processou o Exército por causa da prática, classificada como tortura e violência sexual por grupos de direitos humanos. Samira foi uma das muitas mulheres submetidas a testes forçados de virgindade quando foram detidas durante uma manifestação, em março, na Praça Tahrir, no Cairo. ;A corte ordena que seja interrompida a execução do procedimento dos testes de virgindade em garotas dentro das prisões militares;, disse o juiz Aly Fekry, presidente da corte. Um oficial do Exército foi citado em maio dizendo que os testes eram aplicados para que os militares não fossem depois acusados de ter estuprado as presas.


Esse foi o segundo caso nesta semana em que os ativistas civis obtiveram uma decisão favorável envolvendo o Exército. No domingo, outro juiz civil determinou a libertação de um conhecido blogueiro que havia sido detido em outubro, sob a acusação de ;incitar a violência e a sabotagem; durante um protesto promovido por cristãos. Os governantes militares que substituíram Mubarak estão sob pressão cada vez maior dos ativistas, que os criticam por conduzirem mal a transição para um governo civil e por violarem os direitos humanos de manifestantes.


A decisão foi dada um dia antes da retomada do julgamento do ex-ditador, que responde pela morte de centenas de civis durante os protestos que o levaram à renúncia, depois de quase 30 anos no poder. O processo estava suspenso havia três meses, depois que os advogados das famílias das vítimas pediram o afastamento do juiz responsável, a quem acusavam de parcialidade. Mubarak está detido num hospital militar. A audiência de hoje deverá ser realizada a portas fechadas.

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