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Iraque volta a ser assombrado pelo fantasma da violência sectária

postado em 06/01/2012 10:21

Dezoito dias após o último soldado dos Estados Unidos cruzar a fronteira com o Kuweit e pôr fim a uma ocupação que durou quase nove anos, o Iraque voltou ontem a ser assombrado pelo fantasma da violência sectária. Ao menos seis explosões em Bagdá e em Nassiriya, 300km a sudeste da capital, deixaram mais de 70 mortos e 104 feridos. Os ataques tiveram como alvos principais os xiitas ; representados por 65% da população iraquiana. No atentado mais violento, 45 peregrinos xiitas que caminhavam rumo à cidade sagrada de Kerbala morreram quando um homem-bomba se explodiu dentro de um posto de controle da polícia de Al-Badha, uma região a oeste de Nassiryia. Em Sadr City, bastião do clérigo xiita Muqtada Al-Sadr, uma motocicleta-bomba e dois explosivos plantados à beira da estrada mataram pelo menos nove pessoas e feriram 35. Segundo a tevê Al-Jazeera, duas explosões no bairro xiita de Kadhimiyah custaram a vida de 15 civis.

Ao menos seis explosões em Bagdá e em Nassiriya, 300km a sudeste da capital, deixaram mais de 70 mortos e 104 feridos

O iraquiano Louay Bahry, ex-professor de ciência política da Universidade de Bagdá, admite que esperava uma onda de conflitos religiosos no Iraque, mas não com a intensidade dessas últimas semanas. Em 22 de dezembro, várias explosões já haviam deixado 72 mortos na capital. ;Alguns grupos trabalham duro para recriar uma atmosfera de desconfiança e animosidade entre os xiitas e os sunitas. Talvez alguns elementos da Al-Qaeda ou do Partido Baath (de Saddam Hussein) estejam envolvidos;, admitiu Bahry ao Correio, por telefone. No entanto, o analista ainda não vê elementos que indiquem uma guerra sectária de grande magnitude no país. ;Ainda não chegamos a esse ponto. Entre 2005 e 2006, xiitas e sunitas queimaram as casas uns de outros;, exemplifica.

Para o norte-americano James Fearon, especialista em guerra civil e cientista político da Universidade de Stanford, o Iraque assiste a uma escalada no combate sectário de baixo nível. ;O potencial para o retorno para a violência de 2006 é menos provável, graças à ;limpeza étnica; ocorrida naquela época em Bagdá e em outros locais;, explica ao Correio. Ele acredita que alguns grupos sunitas jamais se acostumaram com os xiitas no poder. Com a saída das tropas dos Estados Unidos, buscam recuperar o prestígio político e a autonomia regional, auxiliados pela Al-Qaeda. ;O conhecimento e o medo do revanchismo sunita têm levado o premiê Nuri Al-Maliki a perseguir os líderes sunitas. Isso favorece os ataques contra os xiitas;, acrescenta Fearon. Al-Maliki chegou a pedir a prisão do vice-presidente, o sunita Tariq Al-Hashemi, acusado de planejar atentados terroristas.

O receio de ser o próximo alvo levou o engenheiro de comunicações Ali Al-Jashammi, 34 anos, a mudar radicalmente sua rotina. Pela internet, ele contou à reportagem que diariamente faz uma rigorosa vistoria em seu carro, antes de sair de casa, no bairro de Ad-Durah, em Bagdá. Também não permite que a mulher e os filhos saiam sozinhos. Al-Jashammi vive em um raio de 20km a 30km de Kadhmiyah e de Sadr City e não escutou os sons das explosões de ontem. ;Eu não abandonarei meu lar. Sou um crente e sei que morrerei algum dia, além de ser um pouco otimista;, diz. Questionado se odeia os sunitas, Al-Jashammi responde sem titubear: ;Muitos dos meus amigos são sunitas, não tenho problemas com eles;.

Louay Bahry, ex-professor de ciência política da Universidade de Bagdá, fala ao Correio sobre a onda de violência no Iraque

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