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Capitão do Costa Concordia reconhece "manobra tardia", mas nega abandono

postado em 20/01/2012 08:56
O Costa Concordia levava cerca de 4,3 mil pessoas, entre passageiros e tripulantes: 11 mortes foram confirmadas e 24 estão desaparecidos
O ;covarde; da Itália, como vem sendo chamado no país o comandante do navio Costa Concordia, deu um novo depoimento ontem, no qual assumiu parte dos erros que levaram ao naufrágio. Francesco Schettino, que falou ao tribunal da província de Grosseto, reconheceu ter cometido um ;erro na aproximação; antes de o navio se chocar com um amontoado de rochas submersas, próximo à ilha de Giglio. O capitão também tentou explicar por que não estava no navio durante a retirada dos passageiros. Segundo seu relato, ele teria escorregado e caído em um bote salva-vidas. Ontem, a Costa Cruzeiros, dona do navio naufragado, anunciou que se apresentará como vítima no processo judicial, uma vez que a tragédia teria sido causada pelas más decisões de Schettino.
Dominica, a convidada:
O comandante confirmou à Justiça italiana que saiu da rota para saudar o ex-capitão Mario Palombo, morador da ilha de Giglio. ;O trajeto foi decidido assim que deixamos Civitavecchia, mas cometi um erro na aproximação. Ordenei a manobra muito tarde e acabei em uma parte muito rasa;, contou ele. Schettino disse já ter feito a saudação outras vezes, a despeito de a suposta tradição não estar prevista nos planos de navegação. A análise da caixa-preta do navio também revelou que o capitão demorou para avisar a Capitania dos Portos sobre o acidente e abandonou o navio antes que todos os passageiros tivessem saído ; algo considerado crime pela legislação marítima italiana.

;Eu não tinha um colete salva-vidas, porque dei para um dos passageiros. Estava tentando levá-los para os botes de forma ordenada. Como o navio estava a uma inclinação entre 60 e 70 graus, eu escorreguei e parei em um dos botes. É por isso que eu não estava lá;, justificou. A versão do capitão é contestada por passageiros do Costa Concordia, que dizem ter deixado a embarcação sem a presença de Schettino. Familiares das vítimas estão revoltados com a postura do comandante. ;Ele está na casa dele, pois vive na Itália. Em outro país, estaria na prisão e não tomando café com a mãe;, criticou Kevin Rebello, irmão de um tripulante desaparecido. ;Comandar um navio de cruzeiro não é a Disneylândia, ele brincou com a vida de pessoas;, desabafou, em entrevista à agência France Presse.

Defesa feroz
Para piorar a situação de Schettino, um passageiro contou ter visto o capitão jantando ao lado de uma mulher no momento em que o navio Costa Concordia bateu nas pedras. A jovem, Domnica Cemortan, uma moldava de 25 anos, defende o comandante. ;Todas as acusações contra ele são absurdas. O comandante do Costa Concordia é o melhor da companhia. Fez tudo o precisava e salvou as pessoas;, disse. Mesmo ao lado de Schettino no jantar, o nome de Domnica não constava na lista de passageiros ou tripulantes. Além de desvendar esse mistério, as autoridades pretendem descobrir se o capitão estava sob o efeito de álcool ou drogas.

Especialistas ouvidos pelo Correio foram cautelosos ao falar sobre a culpa do capitão, embora tenham ressaltado que o naufrágio, provavelmente, não foi causado por falhas técnicas. ;Quando um cruzeiro está perto da costa, o comandante deve usar mapas e basear a sua localização em pontos da terra, como um farol, uma montanha ou um edifício;, explica David Loh, advogado especialista em direito marítimo. Bud Darr, diretor da associação internacional Cruise Lines, afirma que esse tipo de embarcação navega sob estritas regras de segurança. ;Se ficar comprovado que houve problemas operacionais, vamos fazer de tudo para que esses elementos sejam mais bem operados e regulados;, garantiu.


Susto em Vitória
Menos de uma semana depois do acidente com o Costa Concordia, turistas de um navio no litoral brasileiro também viveram momentos de pânico. Na madrugada de ontem, o comandante do Grand Holiday, da empresa espanhola Ibero Cruzeiros, navegava próximo à cidade de Vitória, quando precisou realizar uma manobra de emergência para desviar de uma embarcação pesqueira. A embarcação acabou sofrendo uma inclinação brusca de quase 45 graus, e muitos passageiros acordaram com bagagens e objetos despencando nas cabines. A movimentação fez com que a água da piscina do navio fosse jogada para o oceano. Alguns turistas tiveram escoriações leves. A Capitania dos Portos do Espírito Santo reteve o transatlântico para uma inspeção. A empresa informou que está avaliando o caso.


Três perguntas para - David Loh

Advogado especialista em direito marítimo e ex-comandante da Marinha dos EUA

A Costa Cruzeiros anunciou que vai se apresentar como vítima no processo sobre o naufrágio. Isso é possível? A companhia não é corresponsável pelo acidente?
Há o entendimento de que a proprietária do navio é sempre passível de responsabilidade por qualquer prejuízo causado a bordo. Mas, pelo menos nos EUA, é possível que a empresa se exima dessa responsabilidade quando a causa do acidente for muito incomum. A Costa Cruzeiros está afirmando que o capitão agiu de uma forma tão diferente da que era determinada pelas normas que a empresa não tinha como imaginar que dali fosse surgir um problema. É preciso observar como a Justiça italiana vai tratar disso.

O senhor acha que há alguma lacuna na lei marítima internacional?
Não, a legislação guia os atos da tripulação e é clara ao determinar que o capitão deve seguir os mapas cartográficos quando o navio se aproxima da costa. O Costa Concordia também estava equipado com instrumentos capazes de indicar que a embarcação havia se desviado da rota. Mas ainda está muito obscuro o que ocorreu. Normalmente, os sistemas eletrônicos possuem um alarme e ainda não sabemos se o capitão desligou os equipamentos, se desativou o alarme ou, simplesmente, se ignorou o aviso sonoro. Qualquer outra regra ou treinamento da tripulação não teria mudado nada nesse caso.

Alguns especialistas comentaram que o tamanho do Costa Concordia prejudicou o resgate. O que o senhor pensa sobre isso?
Cada navio é construído de uma forma e, quando está pronto, o proprietário o submete para a avaliação da Sociedade de Classificação. Essa organização verifica aspectos técnicos da embarcação, incluindo itens de segurança, como a quantidade de botes e de coletes salva-vidas e se o navio foi desenhado adequadamente para que, em uma emergência, ele possa ser evacuado. Não sabemos muito sobre o Costa Concordia, mas eu acho que ele afundou muito rápido. Havia um corte muito grande em sua estrutura, acredito que eles não tenham previsto um evento como esse.

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