Mundo

Em entrevista, cientistas políticos venezuelanos comentam doença de Chávez

postado em 25/02/2012 06:00

Em entrevista exclusiva ao Correio, por e-mail, dois cientistas políticos venezuelanos falaram sobre a doença de Hugo Chávez e a ausência do presidente no Palácio de Miraflores. Chávez será operado para a extração de um tumor na pelve entre segunda e terça-feira.

Morador de Barquisimeto, o cientista político Victor Barranco é presidente do Conselho Superior do Centro de Altos Estudos (Cealc). Já Juan Eduardo Romero atua como historiador e cientista político da Universidad del Zulia (Caracas).

Victor Barranco é presidente do Conselho Superior do Centro de Altos EstudosComo o senhor analisa o cenário político na Venezuela, após a notícia do novo tumor em Chávez?
Victor Barranco: Confuso. Chávez tinha conseguido convencer seus aliados de ter "vencido" a doença, e a oposição não deixou de pensar no câncer como um "recurso de propaganda" do presidente. A revelação sobre a recaída preocupante não apenas deixa o governo sem argumentos, mas também permeia a segurança cubana. É indubitável que o futuro se torna inquietante. A revolução bolivariana, bem como a saúde de Chávez, joga com a incerteza. Um cenário ruim para quem se acostumou a dominá-lo por inteiro. Chávez se encontra hoje permeado em sua credibilidade. Alguns aliados fazem previsões de salvamento, outros conspiram internamente. Chávez sabe que criou uma força política poderosa, arraigada com firmeza em todos os poderes do Estado e nas camadas sociais mais pobres do país. É o líder indiscutível das massas. Um dirigente sem possibilidade de sucessão imediata. Mas ele também sabe que está só, cercado de pessoas sem sentido de valorização do projeto bolivariano, mas de interesses particulares. Chávez sabe que, de nada vale uma liderança poderosa, se a saúde está ruim. A desesperança, produto de alguns ingratos descobrimentos, o fez declarar sua preocupação, no íntimo. Ele sabe que nem os médicos podem assegurar algo.

Juan Eduardo Romero, historiador e cientista político da Universidad del ZuliaJuan Eduardo Romero: O anúncio da recaída no processo de recuperação da saúde do presidente provoca uma série de reações que devem ser assumidas em diversos ângulos. O primeiro deles deriva dos simpatizantes e dos militantes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). O tipo de liderança carismática construído por Chávez lhe outorga um peso específico muito alto na construção do chamado socialismo bolivariano do século 21. Por isso, sua doença é um duro teste para avaliar a capacidade de transformação do PSUV como ator político consolidado, além dessa liderança pessoal. Sem dúvida, há um avanço nessa direção. Desde sua fundação, em 2007, o PSUV tem se dedicado a ganhar uma estrutura orgânica, a fim de transcender a figura de Chávez. A formação do diretório nacional (13 membros), as 24 direções regionais (13 membros em cada), as estruturas municipais (335, com 13 membros) e as estruturas paroquiais (1.235, com 13 membros) nos mostram uma organização que conta com 21.035 quadros políticos, transformando-o numa máquina eleitoral. Essa máquina deve mostrar capacidade de coesão, bem além das aderências ou simpatias pelo comandante-presidente. Essa estrutura deve mostrar coerência ideológica e, sobretudo, capacidade para construir um bloco histórico hegemônico. Não há dúvidas de que o PSUV está permeado por uma capa altamente pragmática, utilitarista e clientelista. Sem demonstrar um compromisso ideológico, ele nutriu-se dos benefícios do poder em seu próprio benefício. É o que na Venezuela chamamos de a "direita endógena" do chavismo. O segundo ângulo é representado pelos adversários. Muitos setores radicais do antichavismo têm se expressado de forma desumana sobre a doença. Além disso, encontramos um desafio para a oposição. Os resultados das primárias de 12 de fevereiro os faz contar um candidato único que deve confrontar Chávez (Henrique Capriles Radonski). Isso não significa uma sólida unidade política. A Mesa da Unidade Democrática tem o desafio de aproveitar a "debilidade" momentânea de Chávez para fortalecer-se. Do contrário, isso significará uma derrota. Para os simpatizantes do presidente, a doença é um momento para unir-se. É preciso ver se a nova recaída de Chávez não aumentará a popularidade do mandatário.

Chávez nomeou uma comissão de campanha e assegurou que viverá. Mas alguns médicos sugerem metástase. Como vê isso?
Victor Barranco: Depois de uma declaração a que Chávez foi obrigado a fazer pelos rumores, e na qual deixou escapar algumas emoções, muitos creem que ele aceitou que já não as tem consigo. Trata-se de um péssimo manejo de informação por parte dos aliados, que o forçaram não apenas a pagar um alto custo político, como a improvisar cenários em meio à fragilidade de sua saúde. Hoje, frente à evidente solidez de sua liderança, Chávez reconhece que seu grande adversário não será a oposição, mas sua saúde. Juan

Juan Eduardo Romero: O comando de campanha nomeado por Chávez tem diversos componentes e um conteúdo simbólico inerente. O presidente o denominou Comando Carabobo, uma referência à derrota definitiva das tropas imperiais espanholas na província de Carabobo, em 1821, que consolidou o triunfo revolucionário do projeto de Simón Bolívar. Segundo Chávez, esta será uma batalha definitiva para derrotar um setor político ligado aos interesses dos EUA. O comando é liderado pelo prefeito de Caracas, José Rodríguez, figura-chave do PSUV. Essa estrutura parece ter sido pensada para transcender o próprio presidente e dar-lhe continuidade.

O senhor crê que Chávez terá condições de disputar as eleições de 7 de outubro?
Victor Barranco: Agora, e pela primeira vez em 13 anos, muitos creem que não. Inclusive os mais otimistas pensam que, se o fizer, será em condições reduzidas. Seus aliados vislumbram com ceticismo o futuro.

Juan Eduardo Romero: A presença de Chávez na campanha de outubro de 2012 não deve ser questionada. A pergunta é como ele assumirá. Nesse sentido, há três cenários. O cenário mais pessimista indica que a recaída de Chávez trará complicações de saúde que reduzirão ao máximo sua capacidade de mobilização; o quadro intermediário sugere que o presidente poderá se mover, sem grandes exigências ; a estrutura do Comando Carabobo será crucial para a campanha; o cenário otimista será a restituição da saíde do presidente. Qualquer desses cenários será permeado por uma campanha suja por parte da Mesa da Unidade Democrática (MUD), tentando criar descontentamento e incerteza, de forma a criar uma migração na intenção do voto do PSUV por parte de militantes não alinhados ao socialismo bolivariano, mas à liderança carismática chavista.

Há uma grande tensão entre os governistas?
Victor Barranco: A revolução, assim como a saúde de Chávez, joga com a incerteza. Cenário ruim a quem estava acostumado a colocar o disco, a escolher a parceira de dança, a selecionar a pista e a música. Ele se deu conta de que ele não depende de sua vontade e não pode planejar nada. Graças à sua saúde, Chávez poderá ser separado do poder do qual se alimenta de forma viciada.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação