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Com a libertação de militares, Farc podem ensaiar uma saída negociada

Rodrigo Craveiro
postado em 03/04/2012 06:08
O Brasil ajudou ontem (02/04) a pôr fim ao drama dos últimos 10 militares que eram mantidos reféns pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) havia mais de uma década (veja o quadro).

Ao soltar os quatro soldados do Exército e os seis policiais, a guerrilha esquerdista acenou com um gesto unilateral carregado de simbolismo. A concessão ocorre 36 dias após o grupo armado ter prometido renunciar à prática de sequestros. Ex-reféns e especialistas em conflito colombiano acreditam que a decisão das Farc abre espaço para o diálogo com Bogotá e para a reivindicação de um papel político nas esferas do poder.

;A guerrilha está obedecendo às condições impostas pelo governo para ambos sentarem-se e falarem de paz;, afirmou ao Correio o ex-deputado Sigifredo López, sequestrado em 2002 e solto sete anos depois (leia o depoimento). ;É uma ação humanitária, um gesto bonito do governo brasileiro;, comentou.



Sigifredo López, advogado e ex-deputado sequestrado pelas Farc em 2002 e solto em 2009
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Olga Luis Rojas, irmã do policial Wilson Rojas Medina, libertado ontem pelas Farc
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Nixon Pérez, primo do sargento Luis Alfonso Bertan Franco, libertado ontem pelas Farc
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ESPECIALISTAS COLOMBIANOS OPINAM SOBRE O FUTURO DA GUERRILHA DAS FARC, APÓS A LIBERTAÇÃO DOS 10 ÚLTIMOS MILITARES REFÉNS:


Eduardo Bechara Gómez, especialista em negociação e gerenciamento de conflitos da Universidad Externado de Colombia

"A notícia da libertação de 10 membros da força pública colombiana volta a pôr no centro da discussão pública nacional o balanço da confrontação armada entre a guerrilha e o Estado, além de perguntas em torno de uma saída negociada com as Farc. A libertação ocorre em meio a uma série de ataques da guerrilha, com um saldo significativo de vidas humanas perdidas. Podemos citar o atentado contra uma delegacia da Polícia Nacional em Tumaco, no departamento de Nariño, em fevereiro e, mais recentemente, a emboscada contra um grupo de soldados em Araunquita (estado de Arauca), que terminou com a morte de nove militares. O Estado respondeu a esses ataques de modo contundente: na região leste, pôs em marcha a Operação Armageddon, que terminou com um número considerável de guerrilheiros mortos. Nesse contexto, o cenário de confrontação armada mostra-se favorável para o Estado, por conta de sucessos recentes sobre as estruturas políticas, militares e econômicas dos grupos à magem da lei. Esses êxitos têm impedido a tentativa da guerrilha de ingressas em territórios próximos aos principais centros políticos, econômicos e administrativos do país. A ação coordenada do Exército e da Polícia Nacional capturou e matou lideranças. Além disso, houve numerosas desmobilizações de combatentes. Não menos importante é a redução dos recursos obtidos a partir do sequestro e do tráfico"


Vicente Torrijos, professor de ciências políticas e relações internacionais da Universidad del Rosario (em Bogotá)

;Ao libertar os reféns, as Farc também se liberam a si mesmas. A guerrilha precisava destinar muita logística, inteligência e recursos humanos para evitar os resgates militares, com os quais se desgastavam em uma tarefa infrutífera, pois o Estado jamais cedeu à chantagem humanitária da troca de prisioneiros. Em troca, as Farc querem se exibir ao mundo como uma organização política responsável e em capacidade de negociar com o governo o futuro do Estado colombiano. O grupo seguirá sequestrando por razões extorsivas (econômicas), mas colocará a culpa em outras facções.

As Farc têm uma notável capacidade de recuperação, pois contam com apoio de governos e de movimentos populares estrangeiros. São uma complexa rede integrada às rede da Revolução Bolivariana no hemisfério. Atuam como uma organização terrorista altamente cruel e efetiva, que se nutre dos recursos do tráfico de drogas. Mas também se dedicam a incitar a insatisfação social entre população no campo e nas cidades, ao mesmo tempo que multiplicam sua influência internacional por meio de uma diplomacia paralela. Elas pretendem gerar uma matriz de opinião pública favorável ao diálogo e à negociação, um clima de pressão que obrigue o governo a lhes conceder o status político. Dessa forma, poderão negociar o futuro da Colômbia, apesar de perderem militarmente a guerra.

As Farc já cumprem um papel ativo na política colombiana, ao moldarem as agendas legislativa e sociais, mediante falácias relacionadas ao ;fim do sequestro e do terrorismo; e à legalização das drogas. O próximo passo será negociar o futuro do Estado, dialogar para estabelecer uma ressonante Assembleia Nacional Constituinte que, adornada pela semântica da paz e da reconciliação, desemboque numa coalizão em que uma de suas figuras-chaves apareça como candidata a vice-presidente. As Farc nunca deixarão as armas nem renunciarão à violência política. Mas isso será o menos importante.;

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