Agência France-Presse
postado em 06/04/2012 15:11
Bamaco - Os rebeldes tuaregues do Mali declararam nesta sexta-feira a independência da região Norte, dividindo o devastado país em duas partes e aumentando os temores de um desastre humanitário em uma região que já foi considerada uma experiência democrática de sucesso.A União Africana (UA), no entanto, anunciou que "rejeita totalmente a pretensa declaração ;de independência;" do Norte do Mali, proclamada pelos rebeldes tuaregues do Movimento Nacional pela Libertação de Azawad (MNLA).
Com Mali agora dividido em uma metade Norte controlada pelos rebeldes e uma ao Sul governada por uma junta militar golpista, a comunidade internacional se mobiliza para tentar uma solução ante o colapso deste país da região oeste-africana.
Organizações humanitárias alertam sobre a iminente catástrofe humanitária, ao mesmo tempo em que centenas de pessoas fogem das principais cidades do norte do país, enquanto grupos rebeldes roubam alimentos e remédios em toda a região.
Centenas de jovens malineses, a maioria nativos do norte do país, denunciaram os crimes cometidos nas regiões rebeldes e pediram armas para combater.
Durante um encontro organizado na periferia de Bamaco por várias associações, um membro da Ação de Jovens para Salvar o Norte de Mali (AJSN) leu uma declaração denunciando "as agressões físicas contra civis e estupros de mulheres, inclusive em praça pública", além de saques, destruições e outras violações dos direitos humanos.
O Movimento Nacional de Libertação do Azawad (MNLA), importante componente da rebelião tuaregue no Mali, proclamou na manhã desta sexta-feira a independência de uma região que chamam de Azawad e que ocupa todo o norte do Mali, uma área pela qual lutam há décadas.
"Proclamamos solenemente a independência do Azawad a partir deste dia", declarou o porta-voz do MNLA, Mossa Ag Attaher, ao canal de televisão France 24, confirmando uma mensagem publicada no site do grupo.
Attaher prometeu que o MNLA respeitará "as fronteiras dos Estados limítrofes" e interromperá todas as ações militares. Os tuaregues controlaram todo o norte do Mali em apenas duas semanas, com a ajuda de grupos islamistas, após o golpe militar na capital, Bamaco.
O anúncio ocorre após os rebeldes tuaregues e grupos islâmicos tomarem o controle das três cidades do norte - Kidal, Gao e Timbuktu - sem nenhuma resistência por parte do Exército malinês, desorganizado e desarmado.
Comunidade internacional critica declaração
O presidente da Comissão da UA, Jean Ping, informou em um comunicado que condena "com firmeza este anúncio, que é nulo e sem qualquer valor". Também pede à comunidade internacional apoio a esta posição de princípio da África.
Em nome da UA, Ping destacou "o princípio fundamental" da inviolabilidade das fronteiras herdadas pelos países africanos em sua independência. Também reiterou o apoio inflexível da UA à unidade nacional e à integridade territorial da República do Mali.
"A UA e seus Estados membros não pouparão nenhum esforço para restabelecer a autoridade da República do Mali no conjunto de seu território nacional e acabar com os ataques cometidos por grupos armados e terroristas na parte norte do país", afirma o comunicado.
Os Estados Unidos também criticaram a declaração dos tuaregues, unindo-se à negativa internacional de apoiar o movimento insurgente africano.
"Rejeitamos a declaração de independência e reiteramos nosso apelo pela integridade territorial de Mali", afirmou o porta-voz do departamento de Estado, Patrick Ventrell.
Da mesma forma, o governo da França, antiga potência colonial, expressou seu repúdio ao anúncio.
"Consideramos que a declaração unilateral de ;independência de Azawad; é nula e não vinculante", disse o porta-voz do ministério francês das Relações Exteriores, Bernard Valero.
"A França defende a unidade e a integridade territorial do Mali", completou.
O controle real dos tuaregues sobre a região parece tênue, já que seus aliados islamistas anunciaram a imposição da sharia (lei islâmica) e sequestraram sete argelinos ao noroeste do país.
"Acabamos de concluir um combate muito importante, é a libertação...", disse Attaher em nome do secretário-geral do MNLA, general Billal Ag Asherif.
O MNLA teve a adesão dos islamitas do Ansar Dine, liderados por Iyad Ag Ghaly, e de membros da Al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQMI), que lideram as "operações militares" do grupo.
Testemunhas afirmam que os reais senhores do Norte do Mali não são os tuaregues, e sim o grupo Ansar Dine.
O líder militar do grupo islamita Ansar Dine, que tomou a cidade de Timbuktu, norte do Mali, afirmou que é contrário à independência da região e que luta "pelo Islã", em imagens de um vídeo obtido pela AFP.
"Nossa guerra é uma guerra santa, uma guerra legal, é em nome do Islã. Somos contrários às rebeliões. Somos contra as independências. Somos contrários a todas as revoluções que não sejam em nome do Islã. Viemos para praticar o Islã, em nome de Alá", disse o dirigente, Omar Hamaha.
"O que queremos não é Azawad. É o Islã! É o Islã", declarou em francês Hamaha, de uniforme militar, aclamado pela multidão, segundo imagens filmadas nos dias 2 e 3 de abril em Timbuktu.
"A independência é o Islã. Esta é a verdadeira independência. É a prática da sharia (lei islâmica), do nascer ao pôr do sol. Nosso combate é em nome do islã. Não é árabe ou tuaregue, branco ou preto. É em nome do Islã", disse.
Organizações humanitárias, como a Oxfam e World Vision, manifestaram preocupação com as severas sanções impostas ao Mali, inclusive por países vizinhos, depois do golpe militar.
Estas temem o aumento da crise alimentar no caso de manutenção das sanções.
O Mali mergulhou no caos após o golpe de Estado de 22 de março contra o regime do presidente Amadou Toumani Toure, que deixaria o poder uma semana depois. A junta militar que assumiu o controle do país é liderada pelo capitão Amadou Sanogo.
As tropas justificaram o golpe com a alegação de que o governo de Toure havia fracassado no confronto contra a rebelião tuaregue, mas os rebeldes aproveitaram o vácuo de poder e controlaram o norte do Mali.
A junta golpista, que orientou o Exército malinês a não resistir à ofensiva, convocou os cidadãos do Norte na quinta-feira a resistir aos "invasores".