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Equador segue firme na convicção de oferecer asilo a Assange, diz chanceler

Rodrigo Craveiro
postado em 23/08/2012 08:12

O governo equatoriano não teme pressões externas ante a concessão de asilo diplomático a Julian Assange, fundador do site WikiLeaks. ;Frente à prepotência, à agressão, à intimidação e ao desrespeito aos direitos humanos, o Equador não cessará no seu empenho em promover as relações entre os Estados, baseadas no respeito mútuo, no respeito à soberania e no respeito irrestrito aos direitos humanos;, declarou Ricardo Patiño Aroca, ministro das Relações Exteriores, do Comércio e de Integração do Equador. Em entrevista exclusiva ao Correio, por e-mail, ele enviou o recado ao governo do Reino Unido, acusado de ameaçar uma invasão à sua embaixada em Londres ; na qual Assange se encontra refugiado desde 19 de junho.

O chefe da diplomacia do Equador lembrou que o Reino Unido não mudou a postura inicial, desde que fez uma ameaça escrita e verbal à representação e à própria chancelaria, em Quito. De acordo com o chanceler, caso Londres negue a concessão do salvo-conduto ao hacker, Assange ;continuará recebendo a proteção do governo do Equador no local de sua missão diplomática;. Na opinião do ministro, Assange é vítima de perseguição política por ter revelado documentos confidenciais de várias nações.

Patiño considera que seu país obteve uma imagem positiva ante a comunidade internacional, ao não se intimidar com as grandes potências. ;Com a concessão de asilo diplomático ao senhor Assange, baseada em uma análise detida e exaustiva de sua petição, o Equador demonstrou que é um Estado soberano, e que toma suas decisões com base em seus princípios, estabelecidos na Constituição, e com base em seu próprio interesse nacional, sem importar a magnitude e o tipo de pressão que receba de outros países que querem fazer prevalecer seus interesses;, ponderou o ministro. Às vésperas da reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) para debater o caso Assange ; o encontro ocorrerá amanhã, em Washington ;, ele demonstrou otimismo em relação ao respaldo dos 34 países-membros da entidade. ;Estamos convencidos de que, assim como na Alba (Aliança Bolivariana para as Américas) e na Unasul (União de Nações Sul-Americanas), receberemos um apoio contundente frente a ameaça do governo britânico de violar a imunidade do local diplomático equatoriano;, aposta.

O Equador está decidido a prosseguir até as últimas consequências com a crise diplomática, caso o Reino Unido não ofereça salvo-conduto a Julian Assange?

O Equador, consequente com sua política de permanente e irrestrito respeito aos direitos humanos, outorgou o asilo diplomático ao senhor Julian Assange, dado que considera que existe um temor fundado de que sua vida se encontre ameaçada, por conta de seu ativismo político. Por isso, vamos continuar outorgando a proteção internacional que o senhor Assange necessita ante essa ameaça real à sua vida, pelo tempo que for necessário. Se a Grã-Bretanha rechaçar outorgar o salvo-conduto, pensamos que essa seria uma decisão que danificaria a imagem internacional e as credenciais em proteção dos direitos humanos do governo britânico. No entanto, se esse for o caso, o senhor Assange continuará recebendo a proteção do governo do Equador no local de sua missão diplomática.

Críticos acusam o seu país de proteger um criminoso comum;

O governo do Equador sempre manifestou que não deseja interferir com o processo judicial que o cidadão Julian Assange enfrenta na Suécia. Nesse sentido, é público e notório que o governo do Equador ofereceu ao governo sueco as facilidades necessárias para que se tome a declaração sobre tais imputações ao senhor Assange na Embaixada equatoriana, o que foi recusado pelo governo sueco. Existem, por um lado, instrumentos legais para proceder nesse sentido no marco da União Europeia ; como é o caso do Mutual Legal Assistance (Ajuda Legal Mútua) ;, e, por outro, existem precedentes próximos do uso desse mesmo instrumento por parte de autoridades judiciais suecas, que se deslocaram à Sérvia para interrogar uma pessoa acusada de assassinato. O governo do Equador, seguindo um princípio básico do direito penal, como é o da presunção de inocência, considera o cidadão Julian Assange inocente de qualquer acusação formulada contra sua pessoa. E digo acusação porque, até agora, o senhor Assange não foi formalmente acusado de nenhum delito. Portanto, e até que um juiz competente determine o contrário, o Equador rechaça que o senhor Assange possa ser qualificado de criminoso.

O senhor crê que Assange é puramente vítima de perseguição política por possuir conteúdo secreto das potências?

O Equador considerou como verossímeis os temores do cidadão Julian Assange a respeito da perseguição política que ele poderia sofrer em um terceiro Estado. O governo do Equador, fiel ao procedimento do asilo, e atribuindo a máxima seriedade a esse caso, examinou e avaliou todos os aspectos implicados nele, particularmente os argumentos apresentados pelo senhor Assange para respaldar o temor que sente ante uma situação que essa pessoa percebe como um perigo para sua vida, sua segurança pessoal e sua liberdade.

É importante assinalar que o senhor Assange tomou a decisão de pedir o asilo e a proteção do Equador pelas acusações que, segundo manifesta, lhe foram formuladas por suposta ;espionagem e traição;, com a qual esse cidadão expõe o temor que lhe infunde a possibilidade de ser entregue às autoridades dos Estados Unidos da América pelas autoridades britânicas, suecas ou australianas, pois aquele é um país ; assinala o senhor Assange ; que o persegue devido à divulgação de informação comprometedora para o governo norte-americano. Manifesta, assim mesmo, o solicitante, que ;é vítima de uma perseguição em distintos países, a qual deriva não apenas de suas ideias e de suas ações, mas de seu trabalho, ao publicar a informação que compromete os poderosos, ao publicar a verdade e, com isso, desmascarar a corrupção e os graves abusos aos direitos humanos de cidadãos ao redor do mundo;.

Para o solicitante, a imputação de delitos de caráter político é o que fundamenta seu pedido de asilo, pois, em seu critério, ele se encontra ante uma situação que supõe um perigo iminente, ao qual não pode resistir. Depois de uma exaustiva análise da situação que vive o senhor Assange, o governo do Equador considera que ele possa ser vítima de uma perseguição política, como consequência de sua postura decidida a favor da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, assim como de sua posição de repúdio aos abusos cometidos pelo poder em determinados países. Aspectos que fazem pensar ao senhor Assange que, em qualquer momento, pode se apresentar uma situação suscetível de pôr em perigo sua vida, sua segurança ou sua integridade pessoal. Esse temor lhe exigiu exercer seu direito humano de buscar e receber asilo na Embaixada do Equador no Reino Unido.

O capital político para o Equador é positivo, por ter concedido asilo diplomático a Assange?

Com a concessão de asilo diplomático ao senhor Assange, baseada em uma análise detida e exaustiva de sua petição, o Equador demonstrou que é um Estado soberano, e que toma suas decisões com base em seus princípios, estabelecidos na Constituição, e com base em seu próprio interesse nacional, sem importar a magnitude e o tipo de pressão que receba de outros países que querem fazer prevalecer seus interesses. As recentes ameaças recebidas por nossa delegação em Londres e pela chancelaria em Quito são uma boa amostra das pressões que este governo tem sofrido, e estou bem seguro de que terá que enfrentá-las no futuro, pelo mero fato de exercer seu direito de decidir sobre uma petição de asilo, de forma soberana e autônoma.

Nesse sentido, o Equador tem buscado o apoio em âmbito regional, não apenas com o propósito de articular uma resposta coordenada, comum e contundente frente à ameaça ao livre exercício de sua soberania, mas também de referendar seu compromisso ; e dos países da região ; com a vigência, a defesa e o desenvolvimento dos direitos humanos, entre eles o direito ao asilo.

Que mensagem o senhor enviaria à comunidade internacional?

Consideramos de vital importância que fique claro que, frente à prepotência, à agressão, à intimidação e ao desrespeito aos direitos humanos, o Equador não cessará no seu empenho em promover as relações entre os Estados, baseadas no respeito mútuo, no respeito à soberania e no respeito irrestrito aos direitos humanos de todas as pessoas. O Equador seguirá promovendo os mecanismos de integração regional que se constituam não apenas no motor de desenvolvimento para os países e os povos de nossa região, mas também em um instrumento eficaz na defesa da democracia e da soberania dos povos.

Assange ainda corre risco de ser extraditado aos EUA?

Como esta chancelaria não recebeu garantias, no sentido de que uma extradição ulterior não se produzirá, e levando-se em conta os antecedentes já citados, consideramos que o risco de extradição a um terceiro país permanece. Até a data de hoje (noite de terça-feira), esta chancelaria não recebeu contestação, desmentido ou desculpa alguma por parte da Secretaria de Assuntos Exteriores do Reino Unido a respeito da denúncia formulada pelo governo do Equador sobre as ameaças de incursão em nossa delegação diplomática em Londres. Portanto, consideramos que o risco ainda permanece.

O Reino Unido demonstrou alguma boa vontade de negociar com o Equador as garantias de livre trânsito para Assange?

Tal e qual refletimos na declaração pública de 16 de agosto de 2012, antes da concessão da condição de asilado ao senhor Assange, mantiveram-se várias conversações com representantes da Secretaria de Assuntos Exteriores do Reino Unido, no curso das quais sua postura inicial não sofreu variação alguma. Durante todo o momento, manifestaram que, para tal instância, não havia possibilidade alguma de resolver o conflito, a não ser pela entrega às autoridades policiais britânicas do cidadão Julian Assange. Desde o anúncio da concessão do asilo, as declarações públicas dos porta-vozes da Secretaria de Assuntos Exteriores britânica não permitem contemplar uma mudança de posição deste organismo a respeito da eventual concessão de salvo-conduto ao cidadão Julian Assange.

Os Estados Unidos afirmaram que a OEA não é um cenário para debater o tema e que ele deve ficar restrito entre Equador, Reino Unido e Suécia. Como o senhor vê essa declaração e que impacto terá um apoio da OEA ao governo de Rafael Correa?

Cabe assinalar que, na reunião extraordinária convocada pela Secretaria-Geral da OEA a pedido da delegação equatoriana, realizada em 17 de agosto, aprovou-se por 23 votos a favor, 3 contra e 5 abstenções a convocação de uma Reunião de Consulta de Ministros de Relações Exteriores. Os três votos contrários foram emitidos pelas delegações dos Estados Unidos, de Canadá e de Trinidad e Tobago. Portanto, fica claro que a postura dos EUA, afirmando que o marco da OEA não é adequado para tratar essa questão, não recebeu um apoio majoritário por parte dos países que integram o organismo. Estamos convencidos de que, assim como na Alba e na Unasul, receberemos um apoio contundente (da OEA) frente a ameaça do governo britânico de violar a imunidade do local diplomático equatoriano em Londres. Isso porque, independentemente da linha da política externa dos diferentes países que formam parte da OEA, a irrupção de um local diplomático e o desrespeito à decisão soberana de um Estado de outorgar asilo constituiriam um precedente nefasto, que debilitaria o direito internacional e que poderia replicar em outros lugares, contra outros países e por outros motivos. E impedir esse precedente está no interesse de todos os governos da América Latina. A ameaça contra a imunidade diplomática das missões não é apenas um problema do Equador e da Grã-Bretanha, mas afeta a todos os governos do mundo.

Em seu pronunciamento no último domingo, Assange citou uma invasão de policiais britânicos à embaixada, que teria ocorrido uma semana atrás.Existiu uma tentativa concreta de invasão?

O senhor Assange se referiu à comunicação que fez chegar o Foreign Office (Ministério das Relações Exteriores), nas formas escrita e verbal, à delegação diplomática do Equador em Londres (na forma verbal) e à chancelaria do Equador (na forma escrita), na qual se fazia referência à Lei de Recintos Diplomáticos e Consulares de 1987, que lhe permitiria revogar o status diplomático de embaixada em território britânico. O Equador condenou, nos mais fortes termos, a tal ameaça e recordou ao governo britânico e à comunidade internacional que, de acordo com o artigo 22 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, da qual a Grã-Bretanha é signatária, os locais das missões diplomáticas são invioláveis e os agentes do Estado não podem ingressar em tais locais sem o consentimento do chefe da missão. Nesse sentido, o Equador tem recebido o respaldo tanto da Alba quanto da Unasul, que emitiram declarações reconhecendo o direito soberano do Equador de dar asilo diplomático e condenando a ameaça britânica de violar o local de sua missão diplomática, usando como justificativa a prevalência de seu direito interno sobre normas de direito internacional.

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