Agência France-Presse
postado em 10/09/2012 12:31
Alto Ocamo - Isolada, tranquila e escondida pela imensa floresta amazônica do sul da Venezuela, a comunidade indígena ianomâmi Irotatheri recebe inesperadamente um grupo de jornalistas convidados pelo governo para demonstrar que não há provas de um suposto massacre denunciado no fim de agosto. "Sentem medo quando o helicóptero passa, todos fogem", comenta Oscar Pérez, um estudante de Medicina que viajou com a comitiva e faz estágio em comunidades próximas a Irotatheri, no município Alto Ocamo, no Amazonas, a apenas 19 km da fronteira com o Brasil.Há uma semana, o governo implantou a operação militar ;Centinela; para investigar a suposta matança de cerca de 80 ianomâmis Irotatheri por garimpeiros brasileiros, segundo uma denúncia de uma organização aborígine e da ONG Survival International, que defende os direitos dessas comunidades. Após uma primeira incursão, as autoridades garantiram que não foram encontradas evidências do ataque e o governo autorizou um grupo de jornalistas a visitar a região de insistentes denúncias da Survival, com sede em Londres.
"No matanza, todo fino" (Sem matança, tudo bem), explica em espanhol um ianomâmi de uma comunidade vizinha depois de conversar com um tradutor. Geralmente quase nus, na ocasião, os Irotatheri receberam a visita vestidos com um tecido vermelho: alguns cobriam suas genitálias, outros enfeitavam suas cabeças ou as mulheres a usavam para carregar seus bebês. O ;novo traje; é um presente da ministra para os Povos Indígenas, Nicia Maldonado, que chegou ao local dias antes para investigar o caso.
Logo que a comitiva saiu do helicóptero, os indígenas, curiosos, deram pequenas palmadas de boas-vindas no peito de seus visitantes. Neste local isolado, não há sinal aparente de violência nem de mortes, constata a AFP. Seus habitantes, que mantêm um pouco de tabaco na boca quase sem mastigar, prepararam uma dança mostrando suas lanças e arcos e o rosto pintado com linhas negras.
Algumas mulheres cobrem os olhos de seus filhos com os braços quando são fotografadas para "evitar que percam seu espírito", explica o tradutor. Pérez conta que a comunidade costuma sofrer com doenças como conjuntivite e infecções respiratórias, produto da constante exposição à fumaça das fogueiras, e com o bicho do pé, que penetra a pele causando úlceras graves e problemas de pele. Uma primeira patrulha, formada por 15 pessoas - militares, um tradutor e um guia ianomâmi -, "caminhou sete dias pela floresta amazônica" para chegar até os Irotatheri em "busca de provas" do massacre, relata o tenente coronel Orlando Romero, que liderou a expedição.
Quando chegamos, eles "se assustaram", disse Romero no pátio central dos sete shabonos (cabanas) da comunidade, com aproximadamente 50 habitantes. "Lidar com uma comunidade como essa é extremadamente difícil e perigoso", acrescenta, explicando que só é possível chegar ao lugar a pé ou depois de uma hora de voo de helicóptero.
Só conhecem os números um e dois
A etno-linguista Mari Claude Mattéi Muller, uma especialista na etnia, explica à AFP que os Irotatheri são uma das centenas de comunidades ianomâmi que habitam a área fronteiriça de 200.000 km2. "Calculamos que existam na Venezuela em torno de 15.000 ianomâmi e outros 20.000 no lado brasileiro", afirmou Muller, procurando ser prudente com os dados por considerar que na Venezuela não há um censo exato dessa população.
Para a etno-linguista é difícil saber se realmente ocorreu a matança, pois a cifra de 80 mortos parece suspeita. "Para os ianomâmi, existem os números um e dois, e tudo acima disso chamam de ;muitos;", argumenta, mas destaca que alguns de seus amigos nas comunidades alertaram que "algo aconteceu", sem se atrever a confirmar nada. Muller lembrou que os ianomâmi são um povo nômade, o que impede que se determine se é a primeira vez que os Irotatheri têm contato com o mundo moderno, como suspeita Romero.
[SAIBAMAIS] Os primeiros registros da existência dos ianomâmi, maior povo indígena do Amazonas, datam do início do século XIX, quando o explorador e geógrafo alemão Alexander von Humboldt se encontrou com quatro deles enquanto percorria diversas regiões da Venezuela, afirma a especialista. No entanto, foi no final dos anos 1950 que "o contato começou" com várias comunidades, quando missões de salesianos e evangelistas "se instalaram ao longo do rio Orinoco", acrescentou.
De acordo com a também ex-professora de línguas indígenas da Universidade Central da Venezuela, ao longo de toda a fronteira com o Brasil "existem há vários anos" garimpeiros, que costumam andar armados e que diante da "necessidade de alimentos ou mulheres atacam uma comunidade ianomâmi ou qualquer outra que esteja perto".