Benghazi - Eles foram os heróis da revolução, agora são acusados de serem responsáveis por todos os males. Um ano após a queda do regime, os rebeldes líbios não querem se desarmar e se organizam em milícias fora de controle.
"Um dos maiores desafios na Líbia é controlar essas milícias bem armadas e acabar com seus abusos", considerou Peter Bouckaert, diretor da divisão de emergências da ONG de defesa dos direitos Humanos Human Rights Watch, em um relatório divulgado nesta quarta-feira (17/10).
No relatório, fica claro que as autoridades estão presas à sua incapacidade de julgar as milícias acusadas de assassinatos extrajudiciais.
Os novos líderes do país têm dificuldade em impor sua autoridade sobre as brigadas rebeldes que combateram o regime de Muamar Kadhafi em 2011. Algumas milícias chegam a acreditar que a sua legitimidade, forjada na linha de frente, é mais forte do que a das autoridades eleitas.
Os ex-rebeldes são acusados pela população de impedir a formação de um exército e de uma polícia regular e são criticados por ONGs por violações graves dos direitos Humanos, em particular contra os partidários do antigo regime.
Esses homens, na maioria jovens, se queixam de serem marginalizados pelas autoridades de transição e alertam para um "vácuo de segurança", caso desistam de suas armas.
Até o momento, o governo líbio conta com as milícias, entre elas muitos grupos islâmicos, para garantir a segurança do país desde que os rebeldes derrubaram o regime de Muammar Kadhafi, em outubro de 2011.
Muitas das milícias que eram responsáveis pelo monitoramento das fronteiras controlam o contrabando e não hesitam em recorrer às armas no menor conflito de interesses.
Um plano para integrar esses jovens às forças regulares falhou após a rejeição da maioria deles em passar por um recrutamento individual.
As novas autoridades tentaram então integrar milícias inteiras, com suas armas e chefes. Mas perderam o controle sobre esses grupos assim que os interesses deles entraram em jogo. "Foi um erro fatal do Ministério do Interior", reconhece o governo.
"Segunda Revolução"
Um dos chefes da segurança de Benghazi (leste), Ibrahim al-Barghathi, reconhece que os ex-rebeldes, que preencheram o vácuo após o colapso do aparelho de segurança do Estado na sequência da queda do antigo regime, são os verdadeiros donos do país.
"As instituições formais do Estado são inexistentes e os revolucionários ainda dirigem o país", declarou Barghathi.
[SAIBAMAIS] "Cabe às novas autoridades provar que são dignas do sangue de nossos mártires da revolução e dos feridos, caso contrário, haverá uma segunda revolução para derrubar o curso das coisas", alertou um ex-rebelde de Benghazi (leste), Osama al-Dali.
O Exército e a polícia, em processo formação, são impotentes diante das milícias fortemente armadas, enquanto os oficiais são alvos de uma onda de assassinatos em Benghazi.
Esses ataques foram atribuídos a extremistas islâmicos, que foram libertados das prisões de Kadhafi e a jihadistas líbios que estavam no exílio ou que voltaram do Afeganistão e do Iraque, no rescaldo da revolução.
Observadores alertam para a influência crescente de grupos extremistas ligados à Al-Qaeda, principalmente após o ataque ao consulado dos Estados Unidos em Benghazi, no dia 11 de setembro, que matou o embaixador e três outras autoridades americanas.
Revoltado, o povo respondeu organizando manifestações e conseguiu expulsar grupos islamitas de suas bases.