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Farc e governo colombiano vão discutir o futuro político do grupo rebelde

Agência France-Presse
postado em 12/11/2012 17:49

San José - Há meio século, após o triunfo da revolução cubana em 1959, multiplicaram-se as guerrilhas na América Latina, sendo que muitas foram derrotadas, outras assinaram acordos de paz com o poder. As Farc, a mais antiga delas, agora traçam o seu destino na mesa de negociações.

Depois de dar início em outubro, em Oslo, a um diálogo que busca acabar com um conflito armado de 48 anos, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo de Juan Manuel Santos vão se sentar em 15 de novembro para discutir em Havana uma agenda que inclui um futuro político para o grupo rebelde.

"As Farc têm como único êxito perceptível: terem sobrevivido por meio século. Isso não os impede de ter força como interlocutor frente ao governo. Mas quando se chega à conclusão de que um não pode derrotar o outro, devem negociar. É hora da via política", ressaltou o salvadorenho Victor Valle, vice-chanceler da Universidade para a Paz, criada pela ONU e sediada em San Jose.

Cerca de 40 movimentos insurgentes surgiram na América Latina na segunda metade do século XX, durante a Guerra Fria, principalmente nos anos 60 e 70, a grande maioria de ideologia marxista-leninista e inspirada pelo triunfo da revolução de Fidel Castro em Cuba.

Dezenas de milhares de latino-americanos pegaram em armas apoiados por Havana, aliada de Moscou, para enfrentar ditaduras cruéis apoiadas e financiadas pelos Estados Unidos. Centenas de milhares de latino-americanos morreram e as feridas ainda estão abertas.

Em países como Argentina, Chile e Uruguai, os militares, antes intocáveis, são julgados e condenados por graves violações dos direitos humanos cometidas nesses anos, em outros, como na Guatemala, há um forte debate sobre a impunidade. Há também controvérsia sobre o legado dos guerrilheiros, criticados por alguns e admirados por outros.

- Legados e desafios -


Alguns grupos insurgentes se dividiram, sofreram desgastes ou foram aniquilados pelas forças de segurança, como os peruanos do Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA) e Sendero Luminoso, os Montoneros e o trotskista Exército Revolucionário do Povo (ERP), na Argentina, ou o Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR) e a Frente Patriótica Manuel Rodriguez (FPMR), no Chile.

Hoje, guerrilheiros ou ex-rebeldes chegaram ao poder pelas urnas e não pela força: o tupamaro José Mujica no Uruguai, Dilma Rousseff no Brasil, a Frente Farabundo Martí (FMLN) em El Salvador com Mauricio Funes, e na Nicarágua, a Frente Sandinista (FSLN).

A FSLN foi a única que triunfou militarmente em 1979, depois de Cuba, mas depois perdeu o poder após um sangrento conflito com os contra-revolucionários organizados pelos Estados Unidos, tendo voltado nas eleições.

"Há diferentes níveis de êxito e fracasso das guerrilhas. Mas, sobretudo, existe um legado. Qual é? Ao contestarem um status quo, os rebeldes forçaram uma transformação, a fazer concessões, abrir espaços, mesmo após um período de resistência conservadora", considerou Valle, ex-membro de uma comissão do processo de paz em El Salvador.

Políticos progressistas ou ligados aos guerrilheiros também chegaram ao governo, como Hugo Chávez na Venezuela, o líder indígena Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, Ollanta Humala no Peru, Fernando Lugo no Paraguai e Cristina Kirchner na Argentina. Um ex-guerrilheiro venezuelano, Ali Rodriguez, dirige a União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

Esse bloco heterogêneo - com países mais moderados e outros mais radicais - tem um importante papel de liderança na América Latina por ter provocado uma virada nacionalista e aplicado políticas de justiça social no continente.

"Há uma busca por transformações sociais que podem ser um exemplo, porque há um mundo muito desgastado na Europa e nos Estados Unidos, economicamente e socialmente. Aqui há uma renovação e em grande parte responde ao impulso dessas guerrilhas" e aos seus ideais, disse à AFP León Valencia, analista e ex-rebelde colombiano.

Valencia destaca Mujica como "o presidente emblemático das guerrilhas, o autêntico e que mantém o idealismo"; Dilma, como a impulsionadora de uma "renovação no Brasil", e em El Salvador "exemplo de processo de paz" porque há "um equilíbrio de poder e alternância" entre a FMLN e a direita.

[SAIBAMAIS]"Eu tiraria as Farc deste panorama: Será que veremos um processo igual ao das guerrilhas no Brasil, Uruguai, El Salvador, ou uma esquerda mais radical, como a chavista e a sandinista? Para ter algum êxito teria que mudar algumas ideias, adaptar-se ao mundo de hoje e a um país em crescimento econômico e modernização, como é a Colômbia", estimou.

Para Valle, a experiência da América Central, onde décadas de guerra acabaram nos anos 1990 em acordos de paz, mostrou a necessidade de somar ao diálogo do governo e das Farc outros atores, como os empresários e grupos civis, incluindo os Estados Unidos, "sobretudo no que tange à agenda do narcotráfico".

"Na América Latina foi resolvida a violência política, mas a violência social continua pendente. A diferença é que agora há um quadro de liberdade que permite discutir essas questões", concluiu.

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