A comissão constituinte egípcia, dominada pelos islamitas, adotou nesta sexta-feira um projeto de Constituição, rejeitado pela oposição que realizou novas manifestações contra o presidente Mohamed Mursi.
A multidão começou a se reunir no início da tarde na Praça Tahrir, no Cairo, onde vários cortejos liderados por personalidades da oposição devem convergir até o fim do dia.
Os 234 artigos foram adotados por uma comissão convocada às pressas na quarta-feira, após uma longa sessão que começou quinta-feira ao meio-dia e que se estendeu pela noite.
O texto deve ser levado ao presidente Mohamed Mursi, para que um referendo seja organizado em duas semanas para que esta nova lei fundamental possa substituir a que foi anulada após a queda de Hosni Mubarak no começo de 2011.
Como na antiga Constituição, o projeto faz dos "princípios da sharia" a "fonte principal da legislação", uma formulação aceita no Egito, que não usa os mandamentos da lei islâmica como fonte única do direito.
Mas o projeto acrescenta uma nova disposição, segundo a qual os princípios da sharia devem ser interpretados de acordo com a doutrina sunita, uma cláusula criticada pelas igrejas cristãs e opositores não-islâmicos.
O Estado também passa a ter um papel de "protetor da ética e da moral" e de "proibir o insulto dos homens", algo que pode conduzir à censura.
Mobilização da oposição
A oposição liberal e laica, assim como as igrejas cristãs, boicotaram os trabalhos da comissão, acusando-a de preparar um texto que favoreça os islamitas e oferecendo poucas garantias no quesito proteção dos direitos.
[SAIBAMAIS]"Esta Constituição não tem valor, não tem futuro, ela será jogada nos lixos da história", declarou à uma emissora de televisão uma dos principais nomes da oposição, Mohamed El Baradei, antigo chefe da agência nuclear da ONU.
Uma coalizão de líderes da oposição alertou Mursi que a atual greve de juízes poderia se espalhar e levar à desobediência civil em grande escala. Os juízes encarregados de supervisionar as eleições também poderiam ameaçar a referendo.
A organização Human Rights Watch acredita que o projeto "protege certos direitos, mas prejudica outros" e lamenta a adoção "apressada" do projeto.
Para a Anistia Internacional, o projeto "ignora os direitos das mulheres, restringe a liberdade de expressão em nome da proteção da religião e permite que os militares julguem os civis."
Além disso, os jornais privados decidiram não publicar suas edições na próxima terça-feira para denunciar a falta de garantias para a liberdade de imprensa.
O projeto prevê também limitar a presidência a somente um mandato de quatro anos com possibilidade de apenas uma reeleição, lembrando que Mubarak dirigiu o país por três décadas.
A adoção às pressas deste projeto chega em meio à crise política por causa dos reforçados poderes presidenciais que Mursi se concedeu na semana passada.
Mursi reafirmou na quinta-feira à noite que os poderes reforçados são apenas "temporários" e desaparecerão quando a nova Constituição for adotada.
Seus partidários consideram que suas últimas decisões vão permitir que o Egito, que passa por uma difícil transição política, se estabilize e consolide sua democratização.
Eles convocaram manifestações em massa para sábado em apoio ao primeiro presidente egípcio islamita, eleito em junho.