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Índia, um país onde ser mulher é sinônimo de correr risco

Uma das primeiras nações a ter uma presidente também é o cenário de agressões públicas à condição feminina, como os recentes estupros em ônibus. As vítimas, que chegaram a 2,2 milhões em 2011, têm medo de denunciar os abusos

postado em 14/01/2013 15:09

;Eu nasci e cresci em Nova Dhéli, e posso dizer que, aqui, toda mulher de classe média é vítima de algum tipo de abuso em algum momento da vida.; O depoimento da professora da Universidade de Dhéli Monami Basu, de 37 anos, expõe a realidade das indianas que, apesar de bem educadas e independentes, se veem vulneráveis a crimes motivados por discriminação de gênero. A Índia foi um dos primeiros Estados a ter uma mulher ocupando a presidência e o cargo de primeira-ministra, e, em 1992, aprovou uma lei que prevê um sistema de cotas de um terço dos assentos parlamentares para as mulheres. Mesmo com os avanços políticos, pouco ou quase nada foi feito para garantir a segurança delas em suas casas e em ambientes públicos. Ontem, menos de um mês depois de a jovem Jyoti Singh Pandey ter sido estuprada por seis homens em um ônibus coletivo, a polícia indiana confirmou que uma agressão similar foi cometida, na última sexta-feira, no norte do país. A vítima de 29 anos foi atacada por sete homens. Seis estão presos.

Dados do Centro Internacional para Pesquisas sobre Mulheres apontam o registro de mais de 2,2 milhões de casos de violência contra mulheres no país em 2011
Dados do Centro Internacional para Pesquisas sobre Mulheres (ICRW, da sigla em inglês), apontam o registro de mais de 2,2 milhões de casos de violência contra mulheres no país em 2011. Mas o número real de crimes pode ser muito maior, já que há no país uma cultura de não tornar pública uma agressão para evitar humilhações e pela desconfiança com relação ao trabalho da polícia. ;Apesar das posições de destaque, a maioria das mulheres e homens educados acredita que o papel fundamental da mulher na sociedade é de cuidadora do lar;, explica o diretor do ICRW em Nova Délhi, Ravi Verma.

Contribui para isso o fato de diversas figuras públicas apontarem as mulheres como culpadas por induzirem ou permitirem a violência. Na última semana, um vídeo postado na internet chamou atenção por mostrar o guru Asharam, popular líder religioso do país, condenando Jyoti. ;Essa tragédia não teria acontecido se ela tivesse evocado o nome de Deus e caído sobre os pés de seus agressores. O erro não foi cometido apenas de um lado;, disse ele.

Pronunciamentos como o do guru desencorajam as vítimas a procurarem ajuda, mas a desinformação pode ser ainda mais crítica. Em regiões isoladas, é comum as mulheres desconhecerem seus direitos e os mecanismos que podem ser acionados para buscar justiça. ;Cerca de 60% da população vive em áreas rurais e a taxa de analfabetismo é relativamente alta. Então, não é fácil para essas mulheres denunciarem. Boa parte delas não sabe reconhecer que teve os direitos humanos desrespeitados;, analisa Anne Stenhammer, diretora regional da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres para a Ásia.

Desde a gestação
Exemplo disso é que cerca de 40% da população indiana considera justificável que um homem bata em sua mulher, de acordo com relatório Progresso das Mulheres no Mundo (2011-2012), organizado pela ONU Mulheres. ;Em 2008, uma aluna da faculdade onde trabalho foi morta a tiros enquanto dirigia à noite. A ministra-chefe de Nova Délhi (Sheila Dikshit) foi a público e disse que a menina ;não deveria ser tão aventureira;. As próprias mulheres no poder falam esses absurdos,; lamenta Monami Basu.

As diferenciações começam antes mesmo do nascimento, segundo Nandini Ray. Muitas família optam pelo aborto quando descobrem que esperam uma menina. Também abandonam ou matam recém-nascidas para evitar o que alguns consideram um fardo. ;Há famílias que veem crianças do sexo masculino como vencedoras, enquanto as meninas são um encargo financeiro, uma vez que elas vão para a casa do marido com um dote considerável;, afirma a coordenadora de extensão do grupo Maitri, organização sem fins lucrativos baseada nos Estados Unidos que oferece apoio às asiáticas.

A taxa de nutrição e de escolaridade também são bastante desiguais. Mesmo em vilarejos e favelas, onde há pobreza generalizada e exposição geral a situações degradantes, os meninos crescem com o sentimento de que estão acima das irmãs, mães e tias. ;Eles normalmente presenciaram incestos e estupros em suas casas e em grupos sociais (;). Crescem cercados de exemplos que os fazem pensar que as mulheres não merecem respeito;, avalia Monami.

Em uma sociedade altamente sexista, além de castista, o respeito pelos direitos humanos precisa ganhar um espaço maior e as leis internas precisam ser mais respeitadas, concordam os especialistas. ;Eu acredito que, para assegurar os direitos das mulheres e um futuro melhor, precisamos ensinar cada menino e menina, ainda na infância, o valor da dignidade a fim de que prendam que todos os seres humanos merecem respeito;, afirma Abha Singhvi, uma das diretoras do Maitri.

Aos 72 anos
Pratibha Patil tomou posse em julho de 2007, quando tinha 72 anos. No sistema parlamentarista indiano, a presidência é um cargo mais protocolar, pois o governo é chefiado pelo primeiro-ministro. Essa função também já foi exercida por uma representante do sexo feminino. Indira Gandhi governou por dois longos períodos, de 1966 a 1977, e de 1980-1984. Filha de Jawaharlal Nehru, herói da independência indiana, ela foi assassinada em 1984 por dois guarda-costas da etnia sikhs.

Três perguntas para Anne Stenhammer ; diretora regional da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres para a Ásia - ONU Mulheres

Quais são os principais crimes cometidos contra as mulheres na Índia?

Os crimes acontecem em todo o território do país. Casos de abuso sexual, casos onde mulheres são molestadas em locais públicos e violência doméstica são comuns. Mas é importante ressaltar que esses crimes não acontecem só na Índia. Infelizmente, é um fenômeno que acontece em todo o mundo e tem aumentado nos últimos tempos, tanto crimes de violência doméstica como os que ocorrem em lugares públicos. Vivemos hoje um momento de crescimento da ocorrência de casos de abusos contra as mulheres não só na Índia e na Ásia.

Há leis que defendam os direitos femininos no país?

Há uma legislação bastante progressista na Índia, mas apesar disso, meninas e mulheres continuam enfrentando situações muito difíceis de violência e exploração. De acordo com o Escritório Nacional de Crimes, houve um aumento de 4,1% nos casos de crimes contra a mulher no ano de 2009 e de 31% em 2005. Eu acho que ainda há muito a ser feito no país, principalmente para que os policiais e as delegacias saibam como lidar com mulheres vítimas de violências. Apenas 7% dos policiais em Nova Délhi são mulheres. A polícia precisa ser treinada para proteger as vítimas e para saber lidar com delicadeza nessas situações de trauma. Médicos, enfermeiras e todos que lidam com mulheres em situação de vulnerabilidade também precisam de treinamento para garantir um tratamento justo e humano.

A senhora acredita que o recente caso de estupro coletivo e pode impor mudanças na legislação e na sociedade?

Eu tenho certeza de que esse caso de estupro trará mudanças efetivas. As demonstrações foram muito expressivas e acho que os políticos, a polícia e as instituições que lidam com mulheres vão fazer o que for preciso para esclarecer o caso. Meninos e homens que cometem esses crimes normalmente têm altos níveis de frustração e não têm entendimento e respeito aos direitos humanos. Há um longo caminho para que as mulheres sejam tratadas com a igualdade que merecessem, para que tenham oportunidades iguais e para que possam se vestir da forma que querem, mas acredito que isso será alcançado e espero que esse caso traga melhorias.

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