Agência France-Presse
postado em 30/01/2013 13:35
Paris - Em uma Sarajevo sitiada e glacial, um fotógrafo da AFP a caminho do front tirou uma foto de bósnios transportando madeira para esquentar suas casas, sem imaginar que essa imagem ressuscitaria 20 anos mais tarde, de maneira fortuita, e que adquiriria uma nova vida.O jovem na fotografia se chama Vladimir Vrnoga. Tinha 17 anos e a guerra na Bósnia impediu seus planos de se tornar veterinário. O fotógrafo se chama Patrick Baz. Libanês com experiência em várias guerras, Baz havia acabado de chegar a Sarajevo para uma missão de três semanas.
Os dois homens se cruzam e trocam algumas palavras. Logo, cada um segue seu caminho, sem que ninguém imaginasse que algum dia poderiam se ver novamente. Em de 2012, um jornalista da BBC, Adrian Brown, realizou um webdocumentário sobre o vigésimo aniversário do cerco a Sarajevo.
Para ilustrar uma sequência sobre as terríveis privações a que foram submetidas a cidade, ocupada durante três anos por paramilitares sérvios, escolheu a foto de Vladimir tirada por Patrick Baz. "O olhar angustiado desse jovem chamou minha atenção", destacou Adrian Brown. Foi então que, a 8.000 km dali, na Califórnia, um homem navega na internet de seu telefone celular e chega ao documentário da BBC. Ele estremece: o rapaz na foto transportando madeira é ele!
"Foi um choque terrível", contou Vladimir Vrnoga, contactado por telefone pela AFP. "Para mim, foi um verdadeiro flashback. Vinte anos depois, de repente, regressei a Sarajevo durante a guerra. Senti a umidade no ar. Minhas mãos doíam de novo, estavam cheias de bolhas por ter passado horas cortando madeira com uma faca de açougueiro", relembrou.
[SAIBAMAIS]"Tinha de novo fome e, sobretudo, frio. Um frio terrível", destacou. "Esta foto me recordou todos os sofrimentos que vivi", acrescentou. "A noite caía, a temperatura era glacial. Para nos esquentarmos, tínhamos que queimar pedaços de madeira. Para comer, só havia um pouco de arroz", descreveu.
"E ainda tínhamos que tomar cuidado com os franco-atiradores que disparavam contra as crianças. Atiravam, inclusive, contra os gatos". Após três anos muito duros no exército bósnio, Vladimir Vrnoga se refugiou na Áustria e logo viajou aos Estados Unidos, onde vive com sua mãe, sua mulher e sua filha de três anos em Chico, no norte de São Francisco, onde está empregado em uma empresa fabricante de bebidas.
Depois de se reconhecer no documentário, Vladimir procurou a BBC, que o colocou em contato com Patrick Baz. Os dois homens trocaram emocionadas mensagens por e-mail, expressando o desejo de voltar a se encontrar um dia. O repórter da AFP, que é agora responsável pela fotografia para a região do Oriente Médio e África do Norte, guarda uma parca lembrança de seu breve encontro com Vladimir.
Mas o fortuito reencontro com o jovem que havia fotografado 20 anos antes também reacendeu nele lembranças sombrias. "Ao chegar a Sarajevo, foi como se voltasse ao Líbano da minha adolescência", contou Patrick Baz. "Mas em Beirute, inclusive na época mais difícil, era possível sair da cidade, encontrar um lugar tranquilo. Enquanto que, em Sarajevo, era uma ratoeira".
"Era uma cidade onde as pessoas não tinham nada para comer, nada com o que se esquentar, onde as pessoas morriam sob os tiros de franco-atiradores quando saíam para comprar pão", relembrou Baz. Como muitos dos enviados especiais na Bósnia, Patrick Baz recorda a particular empatia que sentia em relação aos habitantes de Sarajevo, ao passo que vêm à tona terríveis recordações ressucitadas pela foto que tirou um dia, 20 anos atrás.