José Maria Pires entrou no Seminário Menor de Diamantina, ao norte de Minas, aos 12 anos. Vindo de Córregos, cumpria seu primeiro ano. Nas nuvens, nem viu que pisara no calcanhar do companheiro da frente. O garoto virou-se. O rosto, uma romã madura. Puxou do bolso da batina um canivete e ameaçou, baixinho, José Maria. ;Te pego lá fora.; José Maria pula no cangote do garoto do canivete. Os dois rolaram no pátio até que foram separados e colocados de castigo. O reitor, padre Egídio Henrotte, um belga rosado, passou e perguntou o que aqueles dois garotos faziam ali, de joelhos. O regente deu o serviço. Padre Egídio apontou para o garoto do canivete e mandou que fosse liberado ; era de boa família. Depois, apontou para José Maria e disse que a culpa só podia ser ;desse negro;, porque negro não presta.
J.D Vital, em Como se faz um bispo (Editora Civilização Brasileira ; 2012)
Belo Horizonte (MG) ; Dom José Maria Pires (ou dom Pelé ou dom Zumbi) completa na semana que vem 94 anos de vida. Quase a totalidade dela foi dedicada à Igreja Católica. Por quase a totalidade dela, sofreu preconceito e discriminação em função da cor e da origem social pobre: essa contada na epígrafe é uma bobagem diante de tantas agressões, escancaradas ou não, pelas quais passou. Ele chegou a imaginar que fosse assim, como diz J.D. Vital: menino negro não prestava mesmo.
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Mas sua vida, vindo de onde veio (um distrito pobre no paupérrimo Vale do Jequitinhonha), foi ;rica; e elegante: conheceu cinco papas, foi colega de infância ; de pés descalços ; de Juscelino Kubitschek, amigo fraternal de dom Helder Câmara, de dom Marcelo Carvalheira, de dom Paulo Evaristo Arns, de dom Ivo Lorscheiter, de dom Aloísio Lorscheider e de outras tantas figuras que combateram a ditadura militar.