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Luta contra o crime e batalha política se misturam na Venezuela

O estado de Miranda, no norte, que inclui parte de Caracas, foi apontado pelo governo venezuelano como o mais violento do país devido à gestão ineficaz de governador Henrique Capriles

Agência France-Presse
postado em 10/04/2013 13:28
Presidente em exercício da Venezuela e candidato presidencial, Nicolas Maduro (D, em azul) durante comício de campanha no estado de Vargas
Los Teques, Venezuela
- As imagens do candidato governista se repetem no bairro de La Matica. "Nicolás Maduro presidente", lê em voz alta com desprezo um agente da polícia de Miranda, enquanto patrulha estas ruas onde a violência se agrava pela divisão política que castiga a Venezuela. O estado de Miranda (norte), que inclui parte de Caracas, foi apontado pelo governo venezuelano como o mais violento do país, devido, segundo as autoridades, a uma gestão ineficaz de seu governador, Henrique Capriles, candidato opositor à presidência nas eleições do próximo domingo (14/4).

"A política não deve se misturar com a segurança. Nestas comunidades, há gente de todo tipo, e nós, indiferentemente de que cor se vistam ou de como pensem, velamos por sua segurança", afirma o agente Franklin José Soto durante esta patrulha noturna pelas zonas de Los Teques. As ruas deste bairro ficam desertas assim que a noite cai. Tráfico de drogas, sequestros, roubos e ajustes de contas que terminam mal fazem parte do cotidiano de seus moradores.

Na patrulha desta noite, o policial que ganha melhor não chega a receber 5.000 bolívares por mês (793 dólares no câmbio oficial). Em voz baixa, os oficiais reconhecem que ter um governador opositor não ajuda a aumentar o salário nem a equipá-los de forma adequada. Nos últimos anos, dezenas de companheiros foram para outros corpos policiais ou passaram a trabalhar para empresas privadas de segurança.



"Tudo se politizou. Nós trabalhamos para todos da mesma forma, mas se detivermos alguém com uma camisa vermelha (cor que identifica o chavismo) nos acusam de sermos policiais opositores", afirma o oficial-chefe Martín García.

Há dois anos, o oficial Soto foi atingido com seis tiros em uma patrulha parecida com a desta noite. Graças ao seu santo e ao seu colete à prova de balas, Soto escapou. "Estou há 15 anos aqui e trabalhei com governos muito diferentes. Fui o mesmo policial com todos eles, mas isto é duro, porque o criminoso está mais bem armado do que nós, e aqui não há um só dia que seja tranquilo. Você sabe quando sai, mas não sabe se irá voltar", afirma.

[SAIBAMAIS]A patrulha noturna se detém para revistar um grupo de jovens alcoolizados que visivelmente apreciam pouco o trabalho da polícia "às ordens de Capriles". "Chávez, te juro, eu voto por Maduro", diz, provocador, um deles. "Os criminosos escondem as armas por ali", afirma o oficial García, apontando para uma ladeira. "Temos direito de portar apenas um revólver e nosso colete aguenta, no máximo, balas de calibre 3,57. Isso não vale nada contra eles, que têm os melhores fuzis de assalto", afirma.

Contar mortos em vez de evitá-los
A Venezuela registrou em 2012 mais de 16.000 homicídios, segundo números oficiais. Este saldo faz deste país um dos mais perigosos da América Latina, embora o governo venezuelano tenha investido somas milionárias para combater este drama, que se transformou na maior angústia dos cidadãos.
Segundo números oficiais, em 2012, 1,573 bilhão de bolívares (quase 250 milhões de dólares) foram investidos para fortalecer a Polícia Nacional Bolivariana. Conter a violência também é uma prioridade nos programas dos dois candidatos à Presidência da Venezuela.

De acordo com os números do governo em 2012, ocorreram no estado de Miranda 2.576 homicídios. "O estado de Miranda continua sendo o campeão em todo o mal", afirmou nos últimos dias o ministro do Interior e Justiça, Néstor Reverol. Dos 3.400 homicídios cometidos no primeiro trimestre do ano na Venezuela, 545 foram praticados em Miranda.

Venezuelanos irão às urnas em 14 de abril"Para mim, a ideia não é contar mortos, e sim evitá-los. Mas parece que é algo que nem todo o mundo entende na Venezuela", lamenta em uma entrevista à AFP Elisio Guzmán, diretor da polícia de Miranda. O delegado comanda cerca de 2.500 agentes que representam 30% das forças de segurança do Estado, onde também trabalham policiais municipais, a Polícia Nacional Bolivariana e a Guarda Nacional.

Guzmán nega-se a falar de política, mas gasta muito tempo rebatendo as estatísticas de violência do governo e lamenta não ter um contato direto com o governo para coordenar esforços. Evita apontar culpados pelo aumento da violência na Venezuela nos últimos 10 anos, mas concorda que o presidente Hugo Chávez "foi um fator" que não ajudou a reduzir os trágicos índices de assassinato.

"Eu perguntaria ao ministro Reverol como é possível que o Distrito Capital (que engloba boa parte de Caracas), uma superfície menor com menos habitantes e quase 3.000 agentes a mais do que em todo o estado de Miranda, tenha uma taxa de homicídios superior à nossa, segundo os dados oficiais", afirma Guzmán.

O comissário admite que a polícia de Miranda é prisioneira da luta política e está sendo asfixiada pouco a pouco, privada de material e de recursos financeiros. "Parece que a política não está perseguindo a segurança do povo, e sim a segurança do governo. E para constar, nós venezuelanos antes não éramos assim", conclui.

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