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'Burguesinho' e 'costas quentes' disputam presidência na Venezuela

Em um país onde as pessoas vivem a política com uma intensidade surpreendente, as propostas para solucionar problemas reais passam para segundo plano nesta campanha focada na personalidade dos candidatos



"Na primeira semana da campanha vimos os dois candidatos percorrendo o país a uma velocidade nunca antes vista, mas não houve disputa de programas", lamentou em um debate na televisão Eleazar Díaz Rangel, diretor do jornal Ultimas Noticias, o mais lido no país. Por 14 anos Hugo Chávez, carismático e incansável nas campanhas, conseguiu deixar a personalidade do líder mais visível do que suas propostas concretas.

Poucos venezuelanos conhecem os detalhes do programa dos candidatos, e a maioria vai escolher entre um advogado e um ex-motorista de ônibus autodidata; entre um cobiçado solteiro de 40 anos e um marido, pai e avô de 50 anos; entre um governador que ousou enfrentar Chávez e um socialista abençoado pelo falecido presidente; entre um político precoce que foi presidente da Câmara dos Deputados aos 26 anos e um ex-chanceler que cresceu à sombra de Chávez.

"Em um contexto de desespero, a oposição tende a se virar melhor porque passou muitos anos encurralada nas cordas, resistindo. Em contrapartida, o governo se mostrou histérico e ansioso", considera Barrera.

Incisivos e provocantes
"Eu não sou oposição, sou a solução", afirma Capriles, que mudou de tática em relação à eleição presidencial de outubro, quando perdeu para Chávez, e desta vez apostou em ataques diretos e no uso de símbolos do próprio governo. O candidato se veste de vermelho, a cor dos partidários de Chávez, uma camisa da companhia de petróleo estatal PDVSA, abraça a bandeira e chama a sua equipe de campanha "Simon Bolívar".

Para ele, Maduro é simplesmente "Nicolás", um homem "sem propostas" que as pessoas não escolheram e incapaz de resolver os problemas do país. "Capriles melhorou a sua imagem e estilo de campanha. Afiou sua oratória, tem mais confiança e sabe qual deve ser o seu ponto de ataque", indica Alexandre Luzardo, doutor em direito político e professor da Universidade Central da Venezuela.

Frente a ele, Maduro aposta em uma campanha em nome de Chávez e seu programa. A voz em "off" do falecido presidente precede seus comícios e sua imagem inspira seus discursos. "Ajuda-me a ser um bom comandante-em-chefe. Eu não sou Chávez, vocês sabem, mas sou seu filho", insiste. Maduro respondeu Capriles com a já popular "canção da obsessão".

"Está obcecado por mim. Não para de chamar meu nome. Nicolas, Nicolas", ridiculariza Maduro, movendo o corpo como se estivesse tendo um colapso nervoso. Para o herdeiro de Chávez, seu oponente é "um homem sustentado", que "nunca trabalhou", tem um apartamento em Nova York, vai vender o país aos empresários e esquecerá os trabalhadores. "Não é um dos nossos", diz a seus seguidores. Maduro, consciente do valor da família na Venezuela, faz campanha ao lado de seu filho, de seus netos e da sua esposa, Cilia Flores, um peso pesado no PSUV (partido no poder), enquanto Capriles é o solteiro de ouro do país.

"Na política nunca subestime alguém. Chávez elegeu Maduro, e teve seus motivos porque havia outras pessoas. Maduro é um homem com experiência política e com uma profunda formação, mais elevada do que as críticas que pode receber", considera Luzardo. Para Barrera, os dias mais agressivos estão por vir e devem começar a partir de 11 de abril, quando a campanha termina oficialmente. "Entre 11 e 14 de abril veremos o Estado contra Capriles", prevê Barrera.